Capítulo s/n - parte 1


O AMOR



Quando escrevi esse capítulo já havia terminado o livro, por isso este capítulo está sem número. Perdoe-me se houver uma aparente quebra de continuidade. Poderia tê-lo encaixado em outra parte do livro... Afinal o Amor ficaria bem em qualquer lugar...


A questão é... Como poderia deixar o Amor de fora em um livro que fala sobre todas as coisas? Não que o amor não estivesse presente do início ao fim, mas me refiro a uma reflexão mais profunda. Foi essa pergunta que me fiz quando... Bem... Quando terminei o livro desejei compartilhar essas reflexões com as pessoas, presentear os amigos e, quem sabe, fazê-lo ganhar o mundo... Deter o conhecimento é como represar a água quando muitos estão com sede... Não digo que ele matará a sede de alguém, mas algumas gotas aqui, outras ali poderá mantê-lo hidratado até que encontre a fonte no momento oportuno... E assim, fartar-se de conhecimento...

Liguei para os amigos, anunciar que o livro estava pronto e enviar uma cópia para cada um. O Amor só entrou no livro depois que liguei para a Carminha. Fazia um tempo que agente não se falava e ficamos um bom tempo conversando ao telefone, até que entramos nos assuntos do coração. E de amor, como vai indo, ela me perguntou. Essa era uma área da minha vida que estava em equilíbrio, concebendo o amor como algo essencialmente puro e desprovido de paixões. Portanto sem apegos e desejos de possuir o objeto amado. Mas, a Carminha estava sofrendo de um amor não correspondido.


Lembrei-me das vezes que havia passado por isso... Do quanto sofri, inutilmente, por desejar determinado alguém que não correspondia. Buda estava certo: quando eliminamos os apegos, eliminamos o sofrimento. E é nas questões de amor que muitos se perdem no caminho da evolução, justamente por excessivo apego. Seja limitando seu universo ao do ser amado, seja limitando a expansão do universo do ser amado, ou ainda, desejando cegamente alguém que naquele momento não compartilha do mesmo sentimento.


O momento era oportuno para a Carminha refletir sobre isso. Mas sabia que demorava um tempo entre ler, entender, concordar, assimilar e aplicar esse conhecimento verdadeiramente. Foi então que percebi que esse livro não falava do amor. Hum... Preciso falar desse amor, pelo qual tantos sofrem... Refletir, como em todas as coisas, sobre a qualidade do Amor, que inspira, impulsiona e move nossas ações. E, é claro, expor meu posicionamento quanto à visão do Amor desprovido de apegos e desejos, por considerar este tipo de Amor, genuinamente, aquele que liberta e alcança esferas sublimes da espiritualidade, conduzindo o ser de encontro ao Eu Superior, isento das armadilhas do ego, que nos causam tantos sofrimentos.


Foi Platão, mais uma vez, quem me ajudou! Quando pensei em escrever sobre o Amor, me veio na mente o livro “O Banquete, onde ele expõe belíssimas observações.


Foi assim que incluí esse capítulo. É o fluxo da vida, meu amigo, que tudo nos dá no momento certo, nem cedo, nem tarde, mas no momento oportuno, ainda que pese sobre nós demasiada ansiedade em obter tudo com urgência...


Vamos conhecer a natureza do Amor, assim, poderemos entender e aceitar o convite de buscar os aspectos mais sublimes e alcançar o ápice de sua forma divina, sendo esta, de fato, que irá torná-lo um ser feliz e completo.


Segundo Platão, o Amor foi gerado no dia em que os deuses festejavam com um grande banquete o nascimento de Afrodite. Quando Pobreza encontra Recurso embriagado de néctar nos jardins de Zeus, percebe ali a oportunidade de se aproveitar daquela frágil situação para gerar um filho seu. Deita-se ao lado de Recurso e concebe o Amor.







Eis a razão de o Amor ser companheiro e servo de Afrodite, por ter sido gerado no dia em que nasceu Afrodite. Também por isso o Amor é amante do belo, porque Afrodite é bela. Depois de narrar essa história, Platão extrai substanciosas conclusões:


O Amor não é um grande deus imortal, nem tão pouco mortal, mas uma mistura dos dois. Não é belo, nem bom como os deuses. Mas nem por isso feio e mau, mas algo que está entre os dois extremos, assim como existe algo entre a sabedoria e a ignorância.


O Amor, sendo filho de Recurso e de Pobreza, herdou característica de um e de outro. Sendo filho de Pobreza é sempre pobre, descalço e sem lar, perambulando sem destino, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe. Mas também, por ser filho de Recurso, busca em seu íntimo, o que é belo e bom; possui sabedoria e fica a filosofar por toda a vida. Por não ser imortal, nem tão pouco mortal, no mesmo dia ora ele germina, vive e enriquece, graças à natureza do pai; ora morre, e tudo que consegue lhe escapa, de modo que fica pobre.


Segundo Platão, todos desejam somente aquilo de que carecem. Só um homem que carece de saúde deseja ter saúde, pois o que já tem não deseja possuir a saúde, talvez deseje apenas mantê-la, mas não possuir o que já tem. Da mesma forma o rico não deseja ser rico, pois já é rico, mas deseja manter sua riqueza; e assim por diante. Logo concluiremos que desejamos apenas o que nos falta. O Amor carece do belo e do bom, por isso deseja o belo e o bom.


Depois de considerar essa surpreendente análise sobre o Amor, Platão questiona que proveito tem o Amor para os homens. Ou ainda, porque alguns homens amam e outros não...


É Platão quem responde às próprias indagações: Todos os homens desejam o Amor, não apenas ter, mas ter para sempre. A forma de tornar o amor eterno e imortal é através dos frutos que conceber desse Amor. É a imortalidade que os homens amam.


A maioria busca a imortalidade através da forma física, gerando filhos. Há os que concebem na alma mais do que no corpo, nestes casos concebem através do pensamento, das virtudes, de ações corretas e justas; são os poetas, os músicos, os artistas, os inventores, os cientistas, os líderes de movimentos, organizações ou países, todos que se empenham em causas humanitárias. Também os animais, todos eles, desejam gerar. Chegam a adoecer por sua disposição amorosa, perdem o apetite, rondam sua eleita incansavelmente, no afã de atingir a união e conceber filhos. Por conta disso estão dispostos a lutar, mesmo os mais fracos contra os mais fortes, mesmo que isso os leve à morte. Também irão lutar e morrer, a fim de alimentar sua cria e protegê-la.


Platão prossegue esclarecendo que o amor tem muitos aspectos, funcionando como degraus para alcançar o ápice de sua forma divina. Desde o amor por uma pessoa até o amor pelas realidades superiores do universo. Na verdade, muitas vezes, tomamos apenas um aspecto do amor, e o consideramos como sendo o amor por completo, no entanto é apenas uma parte.


O supremo amor é o desejo do que é bom e de ser feliz. Mas, alguns homens amam apenas uma parte, seja pela riqueza, pela beleza externa, ou ainda pela sabedoria, mas continua a denominar de amor essa pequena porção, ainda que seja apenas um aspecto do amor.


Amor e beleza estão ligados. Vemos a beleza quando estamos amando. Mas, Platão adverte que o homem não deve estacionar sua evolução no amor físico. Esse amor não deve ser egoísta e restringir o universo do casal, deve sair do universo particular em direção ao múltiplo universal, expandindo outros aspectos do amor e conduzindo os indivíduos ao ápice, quando, então, transcendem o belo do físico para o belo das idéias e pensamento. Buscar e se apossar por completo do belo, contemplando o belo nos ofícios e nas leis, depois na ciência e na sabedoria, como que atingindo os degraus.


Quando atingires o ápice dos degraus do amor, alcançarás um universo maravilhosamente belo em sua natureza: o próprio belo, nítido, puro, simples e não repleto de carnes humanas, de cores e outras ninharias mortais; mas o próprio divino belo em sua forma única e eterna, que harmoniza e unifica o cosmos e o homem. Nesse ponto, não seria vã a vida de um homem. Ocorrerá que irá produzir reais virtudes. E para essa aquisição não teria melhor colaborador da natureza humana senão o Amor.


Eis porque Platão afirma que todo homem deve honrar o Amor.





“O amor é a afinidade misteriosa que rege a aproximação do átomo, que impele o homem para a mulher amada, que dirige os astros em volta do sol, e faz com que a mente do ser humano seja arrastada pelo desconhecido até os pés do belo, do bem, da verdade.”


Shambala