Capítulo s/n - parte 2

O AMOR



As reflexões de Platão inspiram e me levam a aprofundar e divagar sobre o Amor... Não posso deixar de perceber o universo que se descortina diante de mim, quando penso que alcancei, enfim, a compreensão de uma pequena parcela do Amor puro e incondicional, e que cada indivíduo encontra essa compreensão de forma particular e única.

O que irei relatar aqui são reflexos dos caminhos que o fluxo da vida, movido pela energia poderosa do Amor, colocou diante de mim, e que, até alcançar essa compreensão, pareceu-me um sofrimento interminável... A profundidade que desejei obter foi alcançada, mas trouxe consigo um conteúdo de peso quase insuportável... Ainda assim, prefiro todo esse peso sobre mim, do que a superficialidade e o vazio.

Para se ter uma vaga idéia do processo por que passei, imagine que você é um peixinho que vive num pequeno lago.




Um dia, depois de uma forte chuva, o rio que passava perto desse lago transborda até alcançar o lago, arrastando tudo quanto está em seu caminho, inclusive você, que é o peixinho do pequeno lago; onde a água era tranqüila, a vida serena, e apesar do ambiente ser restrito, era conhecido e isso lhe dava segurança, aliás, você nem sabia que era um lago pequeno e restrito, para você aquilo era todo o seu universo, não imaginava que havia outras coisas além do lago.

Quando o rio, que transbordou alcançando o lago, com a torrencial correnteza, as águas, antes tranqüilas, agora se precipitando violentamente, arrastando tudo em seu caminho; você foi tomado de pavor, sem nada compreender, vendo apenas o pequeno lago tornar-se lamacento e distante, até perdê-lo de vista...

E, tendo sobrevivido a toda sorte de coisas, galhos e pedras esbarrando em sua frágil pele (como é uma fábula, estou considerando aqui que o ser humano não joga nenhum lixo pelo chão, senão você já teria morrido sufocado num saco plástico, intoxicado com a nicotina da guimba do cigarro, ou envenenado pelos produtos químicos lançados no solo e no rio); o peso das ondas gigantescas (você é um peixinho frágil e delicado, não se esqueça!)



jogando você de um lado para o outro, num redemoinho, que lhe permitiu obter um pouco de oxigênio no ar; subitamente é lançado num canal, também supostamente limpo; e finalmente jogado no mar.

Depois de superar a avalanche de emoções a que fora submetido, fica perplexo com a imensidão do oceano e descobre um universo infinito de cores, sabores, temperaturas e seres a sua volta, dantes inimagináveis. Fica tão perplexo, que esquece rapidamente os pensamentos que passaram por sua cabeça, enquanto as águas do rio lhe arrastavam: Oh, meus Deus, porque estou passando por tudo isso? Sempre fui um bom peixinho, nunca fiz mal a ninguém! Meu lago... Meu lar... Quero voltar para o meu lago, minha vida tranqüila... O que é isso, que águas violentas são essas, para onde estão me levando?

Mas, agora você sabe que foi preciso passar por tudo isso... Para alcançar o oceano! E agradece numa prece silenciosa...




Passados alguns anos... Você viajou por todo o oceano... Até lhe parece menor que antes... Sentiu todos os sabores e temperaturas, ouviu todos os sons, conheceu todos os lugares, uma variedade imensa de seres, alguns muito estranhos, muitos deles amigáveis, como também muitos outros vorazes...

Um dia... Quando foi à superfície absorver o oxigênio, ficou apavorado com um monstro, com enormes asas, vindo de cima, em sua direção com um bico enorme e aberto... Ai, meu Deus, o que é isso?





Rapidamente, quando percebe, você está voando por sobre o oceano, preso ao bico da enorme ave... Aquela visão do horizonte, do céu, o sol, as nuvens... Outras aves voando... Montanhas verdejantes... Percebe que o oceano visto de cima é de um azul belíssimo... Embora esteja apavorado, consegue se lembrar do pequeno lago... De quando as águas violentas o levaram para o oceano... Então relaxa e pensa estar sendo levado para um lugar ainda mais belo...




Subitamente a ave, numa manobra desengonçada, o deixa escapar... Você cai de volta no oceano, num mergulho espetacular, tem a duração de apenas alguns segundos, mas são suficientes para que dê uma última olhada em volta, como que querendo reter todas aquelas imagens em sua mente...

Você, então, passa os dias na superfície à espera da ave... Para que ela te leve de volta ao infinito do céu azul... Mas ela não vem...

Você começa a desejar tanto possuir aquelas enormes asas que, abre suas nadadeiras em movimentos de ir e vir, como as aves... Faz isso incansavelmente... Até que, de tanto exercitá-las, elas crescem e obtém o formato de asas... Então, surpreendentemente, você alça um vôo... Mergulha no azul do céu, ainda mais infinito que o mar... Voa... Voa... Voa...





Passados alguns anos você viajou por toda a Terra... Até lhe parece menor que antes... Sentiu todos os sabores, odores e temperaturas... Ouviu todos os sons... Sentiu o frescor da chuva, viu o nascer e o pôr do sol;



o arco-íris;




a noite salpicada de estrelas e a lua... O Outono, o Inverno, o Verão e a Primavera... Ah... As flores... As mais belas e em diversas cores...




Conheceu todos os lugares, todas as montanhas, florestas, vales, desertos,



cachoeiras,




rios e lagos; todos os seres, os mais diversos... Alguns são amigáveis, outros vorazes...

Um dia... Voando distraidamente, sentiu uma leve topada no peito, percebeu que suas asas não estavam batendo, embora estivesse subindo mais rápido e em linha reta. Observa que o que está te impulsionando é uma coisa, que nunca havia visto antes, de textura lisa e material duro, tem asas, mas não faz movimentos, nem estão tão abertas; você faz isso quando quer mergulhar no oceano, mas na direção contrária, não havia visto ninguém fazer... Senhor, o que o destino me reserva agora? Já não tenho medo... O que quer me mostrar? Como fui tolo, em pensar que já conhecia tudo!


Consegue se virar, colando as costas na ponta daquela coisa. Suas asas estão abertas, mas não precisa usá-las, quer apenas sentir o vento. Nesta posição, pode ver que está indo na direção da lua.




Aquela velocidade, que jamais tinha alcançado antes, o faz ficar perplexo, admirado; e fica tomado de uma emoção nova e excitante...

Olha para trás e vê que a Terra vai ficando distante...



Você tinha uma desconfiança de que a Terra era curva... Do alto, olhando para o horizonte, dá pra ver que é curva... Mas agora, conforme se distancia, fica maravilhado com a forma esférica da Terra, e as cores que adquire, vista de longe... Os continentes, os oceanos, o branco dos pólos... Agora pode vê-los mais perfeitamente... É muito lindo e perfeito... Uma névoa envolve a Terra... Essa névoa é o azul do céu... Depois dela, ao fundo e além da Terra tudo é escuro e negro...

Já não dá pra definir os continentes e o oceano, agora é tudo uma coisa só... Logo a Terra parece apenas uma bola de gude, prevalecendo o azul e o branco, sobre um manto negro... É emocionante demais...



Ops! Você esticou tanto o pescoço para observar tudo, que se desequilibra e se desloca da ponta daquela coisa, ainda tenta se agarrar na asa reta e dura, mas não consegue e cai. Vai caindo de volta para a Terra, tão lentamente, que observa atentamente para reter aquelas imagens em sua mente...

Olha para a lua, antes parecia tão pequena, agora era uma bola imensa e branca... Ao redor, outras “bolas de gude”, talvez outras “Terras”, umas mais próximas, outras mais distantes, cada uma de uma cor diferente, todas flutuando no imenso negro... As estrelas que salpicavam o céu à noite, são em quantidades ainda maiores e mais brilhantes. Várias estrelas cadentes cruzam o espaço negro. Tenta ver o mais longe possível, para ver onde termina... Parece não terminar... São muitos pontos luminosos e manchas coloridas que agora já vão ficando pequenos e distantes, até sumir completamente no céu azul da atmosfera terrestre...




Você, então, passa os dias voando o mais alto possível, desoladamente, à espera da ave de metal e asas retas, para que te leve de volta ao negro e infinito espaço... Mas ela não vem...

Você começa a desejar tanto possuir aquelas asas duras e retas que, fica tentando fazer aquele lançamento em direção a lua... Faz isso incansavelmente...

Até que de tanto exercitá-las, elas crescem, endurecem e tomam o formato das asas da ave de metal. Então, surpreendentemente, saindo da atmosfera terrestre, você consegue se lançar no céu negro, ainda mais infinito que o céu azul... Viaja... Viaja... Viaja...

Passados alguns anos você viajou na velocidade da luz por toda a imensidão do céu negro... Desta vez lhe parece maior que antes...
Sentiu todos os sabores, odores e temperaturas... Ouviu o silêncio, como também todos os sons... Viu vários sóis, estrelas e planetas, os mais belos e em diversas cores... Conheceu todas as galáxias, todos os seres, os mais diversos... Alguns são amigáveis, outros vorazes...

Um dia... Viajando distraidamente, foi sugado pelo buraco negro... Lembrou-se do pequeno lago, do oceano e da Terra. Então, fez uma prece: Senhor, vi sua obra e aprendi muito de tudo que quis ensinar com ela... Receba seu humilde servo e instrumento dessa bela obra...

Sentiu-se diferente... O buraco negro não era um interminável fim no vazio e na escuridão. Era uma passagem curta e estreita, parecendo mais com o pino de uma bola de futebol, só que, você estaria dentro da bola e, através do pino, sendo sugado para fora dela, como se algo, que está fora da bola, o aspirasse.

Enquanto ia saindo do buraco negro para o lado de fora, seu corpo ia adquirindo um tamanho desproporcional ao dessa bola, tanto que ao sair completamente, poderia segurar essa bola com apenas uma das mãos. Nada disso lhe pareceu incoerente.

Estranhamente, parecia saber tudo que estava ocorrendo. Ficou olhando a pequena esfera de onde havia saído. Abriu a palma da mão sob ela, mas sem tocá-la... Sabia que era delicada demais... Parecia uma bolha de sabão, e dentro dela, todo o universo...
Nunca tinha imaginado que todo o universo estava contido numa esfera.

Olhou ao redor... Outras “bolas de sabão”, contendo universos em seu interior, reluziam cores translúcidas. A atmosfera agora era diferente de tudo quanto viu antes, não tinha odor, sabor, nem temperatura... Não havia silêncio, nem som... Tudo era energia descondensada; os seres ali também lhe eram familiares, conhecia a todos em seu íntimo. Possuíam as mais variadas formas e tamanhos, conforme seus próprios desejos em se apresentar. Todos constituídos de beleza e pureza inconcebíveis. A matéria de que eram formados seus corpos, também era translúcida. Emanava Amor... Amor puro e incondicional. Alguns eram apenas pontos de luz colorida. Você olhou para si mesmo, e viu que também perdera a forma habitual. Estava num corpo mais sutil e translúcido, como a bolha de sabão...

Sem poder explicar como, ao mesmo tempo em que, em sua mente, podia explicar tudo, você possuía todo Conhecimento, Compreensão e Verdade, de Tudo e de Todos do universo do qual havia saído, assim como dos outros universos, e dos seres que ali estavam. Sua alma se integrou à Alma do Mundo. E em todos os seres ali presentes, inclusive em você mesmo, podia ver a face de Deus...

E aí... Deu para ter uma vaga idéia do que possa ser o fluxo da vida?

Na verdade essa historinha continua... Mas, conscientemente só posso alcançá-la até esse ponto... No mais, deverei esperar até que o inconsciente me revele. E isso deve demorar... Comparando meu nível de consciência e meu caminho no fluxo da vida, arriscaria dizer que estou no ponto equivalente a essa metáfora, onde o peixinho está no oceano, depois de ficar esperando a ave voltar, desejando tanto possuir asas, que começa a bater as nadadeiras no afã de alcançar o imenso azul do céu.

Eu era o peixe no pequeno lago, enquanto estava acomodada neste mundo, sem nada questionar ou desejar alcançar, a não ser, como a maioria das pessoas, as coisas materiais. Em nível de espiritualidade e consciência meu universo era restrito. Mas, o fluxo da vida tratou à revelia, de forma dolorosa e sofrida, me arrastar até o oceano, onde o universo oferecido favorecia o despertar para uma consciência maior.

Depois de suprir minhas inquietações nesse nível de consciência, e ainda que, “acidentalmente” tenha vislumbrado o imenso universo acima desse nível, que na metáfora corresponde à vida fora do oceano, com suas paisagens belíssimas; estou na mesma situação do peixinho, querendo alcançar o novo universo que se descortinou, mas não sei ainda como. Estou a bater incansavelmente as nadadeiras até que se transformem em belas asas.




“Quando se tem consciência de que o amor é o princípio ativo, e que desse campo de força derivam todas as elucidações e transformações evolutivas, o ser humano reage apurando-se e projetando-se a outros níveis de inteligência e percepção; os horizontes se desdobram em processos múltiplos dimensionais de possibilidades; o universo se apresenta cada vez mais sutil, e essa sutileza passa a ser um estado revelador de comunicação com a vida. Em níveis de freqüências sutis é que se têm acesso: aos campos magnéticos; às moléculas; às artes; ao diálogo com a natureza; ao silêncio que explica; ao olhar que transmite; à alma do mundo e ao divino. Enfim, sutilmente vamos longe.”

Silvio Galvão Bueno