O AMOR
Olhei nos olhos dos cachorrinhos... Ternos... Doces... Amor...
Havia me esquecido do quanto o Amor é suave... Senti a brisa fresca do Amor naqueles olhares...
Eu estava cansada e abatida, carregando o peso do ódio no coração... Desejando fazer justiça com minhas próprias mãos... Mas quem sou eu para fazer justiça... Se não possuo o conhecimento da Verdade...
Comecei a rezar, mas não conseguia... Não conseguia me concentrar...
Então, coloquei a mão no coração e apenas disse: “Meu Deus... Meu Pai tira esse sentimento ruim de dentro de mim, não me abandones, me ajude!”
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomais sobre vós o Meu jugo e aprendei de Mim, que Sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o Meu jugo é suave e o Meu fardo é leve.”
Jesus, o Cristo
Ainda demorei uns dias para me recuperar das seqüelas. Fui novamente à delegacia, desta vez para conversar com o inspetor que recebeu a reclamação da minha vizinha.
Ele me explicou que não era um Registro de Ocorrência, não tinha nenhuma intimação. Era apenas um documento, uma Medida Assecuratória de Direito Futuro, constando, na realidade, que eu possuía cinco cachorros no meu apartamento. Caso ela quisesse, usaria esse documento para entrar com um Processo contra o Condomínio para tirar os cachorros. Talvez ela esteja exigindo o cumprimento da minha parte no acordo que eu mesma propus na carta que enviei ao síndico há quatro anos.
Eu já estava estendendo demais o tempo de mudar. Não por que não quisesse me mudar... Simplesmente eu não conseguia... Não sei explicar por que todas as vezes que achava uma casa ideal, não conseguia concretizar a mudança.
Todos os dias eu converso com Deus sobre isso. Pergunto a Ele por que não consigo me mudar, o que está faltando? O que deseja de mim? Para onde quer que eu vá? Peço uma resposta, ao menos um sinal... Mas vem um silêncio que não consigo entender... Tenho até receio de uma resposta. Da ultima vez que estava numa busca desenfreada para me mudar, indo a vários locais para ver casas, querendo me mudar a qualquer custo sem, no entanto conseguir nada... Foi há três anos...
Decidimos que eu iria sozinha com os cachorros. Minha mãe queria ficar. Eu não conseguia entender como alguém consegue recusar uma melhora de qualidade de vida, num local mais tranqüilo, cercado pela natureza... Enfim, era o desejo dela ficar, eu devia respeitar.
A separação ia ser difícil. Eu amava minha mãe... Amava meu sobrinho... Amava minha irmã... Os dois não conseguiam se decidir se iriam ou se ficavam. Eu queria acompanhar o amadurecimento do meu sobrinho, mas não podia intervir na sua decisão. Fiquei pensando como é difícil para um casal com filhos se separarem.
Quando na cerimônia do casamento o padre fala: “... O que Deus uniu o homem não separa!”. Então, como é que pode ter tantos casais se separando? Difícil de entender!
Porém, se você trocar nessa frase a palavra Deus pela palavra Amor vai dar para entender melhor. Vai ficar assim: “O que o Amor uniu o homem não separa”. Levando em consideração a explicação de Platão, quando o homem denomina de Amor o que na verdade é apenas um aspecto do Amor, como riqueza, beleza ou inteligência; e ainda, que a maioria dos casais consolida sua união com base em apenas um dos aspectos do Amor, e não no Amor em todos os seus aspectos, fica mais fácil de entender! Quando o Amor engloba todos os aspectos, o homem não consegue separar...
Foi por isso que demorei tanto... Passaram-se dois anos e nada de mudança... Algo me prendia... Talvez porque não fosse o momento... Não sei... Nunca vou saber ao certo...
Tenho muitos questionamentos, observações atentas e algumas reflexões... Mas, não tenho todas as respostas... Talvez eu não esteja fazendo as perguntas certas... Não sei... Talvez não esteja pronta para receber as respostas certas...
Descobrimos que minha mãe estava com câncer. Isso não estava nos nossos planos... Não dá para fazer planos... Tem sempre algo que foge ao nosso controle, aliás, quase tudo... Os Planos nos são dados conforme caminhamos... Como não temos acesso a Todo o Plano, ficamos sem compreender em sua plenitude... Restam-nos apenas as reflexões... Sem elas nada faz sentido... Funcionam como luzes na escuridão do infinito... Essas luzes só alcançam até certo ponto... O suficiente para iluminar o caminho... Para andarmos com mais equilíbrio e menos tropeços... Somos muito desastrados...
Minha mãe morreu um mês depois da confirmação do diagnóstico. Talvez tivesse ido antes desse tempo, mas ela esperou que eu a deixasse ir... Eu fiquei em sua cabeceira agarrando-me a um fio tênue da sua vida, lamentando silenciosamente, impedindo sua partida... Nunca a vi demonstrar tamanha força e coragem... Ela sabia que ia... Não teve medo... Sua expressão era tranqüila... Não fez um questionamento, nenhum lamento, nem sequer um gemido... Apenas esperou que eu a deixasse partir... E foi justamente por causa dessa força e dessa certeza que ela transparecia, como se tivesse avistado o Paraíso a sua frente, que finalmente eu a deixei partir... Ela estava vendo aquele universo que eu apenas pressentia... Então, ela beijou minha face, deu um sorriso e caiu em sono profundo... Sua respiração foi ficando mais fraca e espaçada, até que, três horas depois, cessou completamente. Ela não estava mais ali... No corpo, deixou apenas uma expressão de felicidade no rosto... Como se fosse um registro do que o seu espírito estaria vislumbrando...
“Quando a morte vem chegando, parece que as pessoas ficam em paz. Param de lutar contra ela e se entregam com uma docilidade quase incompreensível.”
Zevi Guivelder
Também fiquei envolvida por uma força além da minha...
Desconfio que a Energia Inteligente e Perfeita tenha me envolvido numa espécie de plasma energético... Fiquei ainda mais sensível... Porém, não havia nenhum peso, ao contrário, eu parecia flutuar... Podia sentir as moléculas ao redor quando fazia qualquer movimento... Assim como... Quando estamos totalmente submersos na água e nos movimentamos lentamente, percebendo que a água preenche novamente aquele espaço, quando a empurramos com os braços num movimento circular de frente para trás, a fim de darmos impulso para caminhar...
Um mês depois eu tive aquele sonho... No qual havia escrito um livro... O momento foi muito oportuno... Sentia necessidade dessas reflexões... Foi um meio que encontrei de trazer para o consciente tudo que estava no inconsciente. Não sei explicar, mas quando começo a escrever não tenho a menor idéia de como serão as próximas páginas, muito menos o que irão conter. As idéias me chegam conforme escrevo. É como ter encontrado uma porta. Todas as vezes que giro lentamente a maçaneta, a porta se abre para meu universo interior. Tudo lá está organizado... Esperando apenas que eu transfira para as páginas em branco, mas não posso pegá-las de uma vez só, nem tentar modificar aquela organização, não tem como... Apenas enquanto escrevo me vão sendo reveladas pouco a pouco...
“A mente avança até o ponto onde pode chegar, mas depois passa para uma dimensão superior, sem saber como lá chegou. Todas as grandes descobertas realizaram esse salto.”
Albert Einstein
Saí da delegacia ainda pensando nas últimas palavras do inspetor. Nunca poderia ter sido um Registro de Ocorrência por uma suposição de que o cachorro poderia tê-la mordido. A lei não trabalha com hipóteses.
Então, ela cercou seus argumentos em cima do fato de eu possuir cinco cachorros no apartamento; mas ele explicou para ela, que mesmo assim ela não poderia fazer nada contra mim, teria que ver na Convenção do Edifício e, se fosse o caso, entrar com Processo contra o condomínio.
Quanto à focinheira, ela também não poderia me obrigar a usar, já que o meu cachorro não está na lista das raças que a Lei Municipal obriga o uso. Mas eu vou colocar, pelo menos enquanto entro e saio do edifício com ele, tenho que respeitar as diferenças... Tem pessoas que tem medo de cachorro... Lembrei de um Pastor Belga que tinha no prédio... Ela já estava velhinha, quase não enxergava, era mansa demais... Jamais deu um latido sequer... Mas, tinha gente que tinha medo dela...
“A paz vem de dentro de ti próprio,
não a procures à tua volta.”
Buda
“Não existe um caminho para a paz;
a paz é o caminho.”
Mahatma Gandhi
Fiquei refletindo sobre todo o ocorrido e lamentei profundamente. A vizinha realmente foi até a delegacia cheia de ódio... No primeiro atendimento, na recepção foi capaz de dizer que eu usava o cachorro para ameaçar as pessoas, será que é isso que passa na cabeça dela, que eu seria capaz...
Cada pessoa vê o mundo conforme lhe parece. Se dez pessoas diferentes assistissem a cena do fato que ocorreu naquela manhã, entre eu, meu cachorro e a vizinha, cada uma contaria de um jeito diferente, conforme suas impressões, crenças e gostos. Se a pessoa gosta de animais seria uma versão, se não gosta seria outra versão; se a pessoa simpatiza com a minha pessoa seria uma versão, se não simpatiza seria outra versão...
Assim, se na mente do expectador de uma cena inocente, o mundo lhe parecer um lugar ameaçador, será esta a visão que terá dos acontecimentos à sua volta... Quando estamos na penumbra uma simples sombra inofensiva pode nos parecer um terrível monstro ameaçador... Por isso que faço tantas reflexões... Para não ficar na escuridão medonha...
Será que um Juiz consegue ser imparcial? Julgar um caso sem realmente colocar ali seus sentimentos, vivências e gostos? Não sei, mas enquanto pesquisava na internet sobre leis que defendem animais em condomínio, achei dois casos interessantes.
O primeiro foi de um galo que vivia numa casa e cantava todos os dias às cinco horas da manhã. Um morador do edifício ao lado entrou na Justiça, alegando que não conseguia dormir. O Juiz que deveria julgar esse caso se desculpou e pediu que outro Juiz o fizesse, porque ele não seria capaz de julgar esse caso de forma isenta, uma vez que ele também morava próximo a tal casa que abrigava o galo cantante.
O outro caso foi de um Juiz que expulsou, do próprio prédio onde morava, um vizinho seu, só porque o rapaz possuía um cachorro da raça Pit Bull Terrier.
É complicado...
Mas, de tudo isso o que mais lamentei foi minha própria reação diante dos acontecimentos. Como pude me deixar levar pelo ódio?
Ainda sentia um mal estar... Não posso ficar com nenhum ressentimento... Fiz uma prece:
“Senhor, no silêncio dessa prece venho pedir-Te a paz, a sabedoria, a força. Quero sempre olhar o mundo com os olhos cheios de Amor. Quero ser paciente, compreensivo, prudente. Quero ver além das aparências, Teus filhos como Tu mesmo os Vês, e assim, Senhor, ver somente o bem em cada um deles. Guarda meus ouvidos de todas as malícias, guarda minha língua de todas as maldades, para que só de bênçãos se encha a minha alma. Que eu seja tão bom e tão alegre que todos os que estiverem ao meu redor sintam a Tua Presença. Reveste-me de Tua beleza para que no percurso desta existência eu possa Te revelar a Todos.”
Então, Ele me enviou outro mestre. Desta vez um amigo!