Capítulo 2


AS RAÍZES
E AS SEMENTES


Meu pai foi um homem extremamente inteligente, íntegro e possuidor de um forte caráter; capaz de passar tudo isso a seus filhos apenas com suas ações. Era um homem de poucas palavras. Para os filhos nada é mais eficaz do que ter a educação espelhada no comportamento dos pais.

As crianças tendem a ver seus pais como heróis e copiar suas atitudes. É o primeiro parâmetro de comportamento que eles possuem, só mais tarde serão capazes de observar outros modelos de vida e fazer discernimentos a esse respeito. O envolvimento no seio da família, mesmo antes do nascimento, quando a mãe passa sentimentos a seus filhos ainda na barriga, bem como a energia do ambiente calmo ou estressante, será fundamentalmente determinante.
É na infância que mais intensamente se definirá o caráter do ser humano, servindo como alicerce para toda a sua vida.

Minha mãe era mais sonhadora e sensível. Apaixonada dedicou sua vida ao marido e filhos. Eu diria que sou uma boa mistura dos dois. E essa seria uma batalha que mais tarde eu iria travar entre esses dois lados, pois um desafiaria o outro.

Meus pais resolveram essa questão separando-se um do outro, o que para minha mãe foi um duro golpe. Eu a vi amargar enorme tristeza que quase a consumiu.

Meu pai fez o que pôde para não alimentar meu lado sonhador e sensível, talvez temendo que eu sofresse como minha mãe. Educou-me como se educa um filho homem que um dia enfrentará uma guerra.

Foi assim que meus sonhos foram guardados no fundo de um baú chamado inconsciente. De certa forma, e guardadas as devidas proporções, fui para uma guerra, onde vence o mais forte e mais destemido, porém sem perder a honra e o caráter. Essas quatro qualidades seriam as bases da pirâmide, que, segundo meu pai, me levariam ao ápice.

Tornei-me uma verdadeira fortaleza. Foram necessários muitos golpes duríssimos para escorrer uma lágrima dos meus olhos.

Acreditava, por ele ser tão inteligente, que meu pai estava certo. Tentei o mais que pude seguir o caminho que ele indicava. Abandonei o sonho de ser escritora, ingressei na faculdade de Engenharia, enquanto trabalhava em uma ótima empresa, o que deixou meu pai muito orgulhoso.

Quando meu pai morreu, eu estava com vinte e três anos, foi a mais difícil perda que sofri. Até então morte era uma coisa que só acontecia com os outros. Não havia me deparado com essas questões, precisava de respostas. Por que as pessoas morrem? Para onde vão? Qual o sentido de tudo isso?

Precisei rever meus valores, adquirir novos conhecimentos e arrumá-los de forma a encaixá-los harmonicamente como num quebra-cabeça em que as peças não se encaixam, então, você tenta re-arrumar de outra maneira que faça sentido.

De forma que a morte, para mim se afigura assim: É como estar num lugar que você já sabe como tudo funciona e de repente o chão se abre. Você cai por uma fenda, sozinho, ninguém mais...

O chão se fecha acima de sua cabeça. A paisagem muda e tudo funciona completamente diferente. Você fica com medo, mas o medo só faz piorar suas sensações. Por que ficamos com medo? Apenas porque não conhecemos o funcionamento desse novo lugar, mas isso não significa que seja ruim, não é?

Não, não é, temos medo do desconhecido, do novo. Preferimos o antigo lugar onde conhecíamos tudo, mesmo que ele tivesse mil defeitos e esse novo lugar seja perfeito. Mas não tem como voltar, você não pode escolher. Aos poucos vai percebendo que há outros a sua volta. As leis da física não se aplicam a este lugar e você pode ouvi-las sem a emissão do som da voz e elas podem ouvi-lo. É como se lêssemos pensamentos. Aqueles que estão acostumados a mentir se sentirão nus.

Você tem muitas perguntas, mas neste lugar o tempo e o espaço não existem. A eternidade... Se é que podemos mesurar... Você possui toda a eternidade para obter as respostas, e talvez demore mesmo para compreender.

É difícil imaginar a inexistência do tempo. Para mim fica mais compreensível se eu imaginar que o relógio parou naquele instante e não vai mais prosseguir... Não há dias, nem noites. Mas existe luz. Não vem do sol. Não há sol, tão pouco céu, terra ou mar. É um todo indescritível, onde estão todos mergulhados, interligados de alguma forma pela mesma matéria. Como numa pintura de quatro dimensões. As cores jamais vistas formam uma composição de beleza inenarrável. Neste momento você permite que toda essa plenitude invada seu ser e uma paz o preenche. Você compreende que estava em um sonho, dormindo profundamente...

Não agora, porém antes enquanto acreditava estar na realidade. Agora está desperto... Essa é a verdadeira vida. Essa é a verdadeira realidade, de beleza e plenitude inconcebíveis pelos padrões conhecidos. Aquele é o mundo das ilusões onde os sentidos o traem e a própria sociedade tenta mantê-lo acorrentado ainda mais a essas ilusões, fonte de todo sofrimento humano... A morte é apenas a transformação dessa consciência... Passagem para a verdadeira realidade...

Sábio é aquele que desperta em plena “vida”, libertando-se das ilusões e vislumbrando a beleza e mistérios do Universo.

Isso me faz recordar o “Mito da Caverna” em que Platão descreve uma situação hipotética, porém, para ele, semelhante à que vive a humanidade: Imaginem, disse Platão, que seres humanos foram aprisionados numa caverna desde que nasceram. Acorrentados uns aos outros e forçados a olharem apenas para as paredes da caverna, onde o reflexo da luz exterior os faz enxergar apenas as sombras de outras pessoas que estão fora da caverna. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que essas sombras são a própria realidade. Não podem saber que são apenas sombras se desconhecem a realidade fora da caverna.




Quando li o “Mito da Caverna” imediatamente imaginei que viver seria como estar aprisionado na caverna desde o nascimento, vendo apenas as sombras nas paredes, acreditando ser a realidade. E quando morremos saímos da caverna e nos deparamos com um mundo maravilhoso e perfeito.

Platão (428 – 347 a.C) foi um filósofo grego, discípulo de Sócrates que nasceu em Atenas e encontrou na dialética a forma de melhor aplicar sua Filosofia, em praças públicas, principalmente com os jovens que se reuniam em torno dele. Abordava os mais diversos temas, dentre os quais política e comportamento de seus governantes.

E foi assim que aplacou sobre si o ódio de muitos poderosos interessados em calar a voz daquele que tentava despertar a população à realidade. Sócrates foi preso, julgado e condenado a beber cicuta (veneno fortíssimo).

Alegaram práticas de ateísmo e corrupção de jovens, escondendo covardemente a verdadeira razão da condenação. Conseguiram calar sua voz, mas não mataram suas idéias, ao contrário, esse ato serviu para reforçá-las ainda mais. Primeiramente porque a semente já estava plantada.
Platão tinha em torno de vinte anos quando sucedeu este fato, mas já havia absorvido as idéias de Sócrates. Depois, a forma digna e corajosa com que Sócrates encarou o desenrolar dos acontecimentos desde as acusações, a prisão, o ato de beber o veneno até o momento final, quando sua vida se extinguiu naquele corpo, reforçaram ainda mais o brilhantismo de suas idéias. Seus últimos dias foram uma verdadeira e derradeira lição prática de tudo o que verbalizou em sua vida inteira. Todos os seus discípulos acompanharam atentamente, e em momento algum ele deixou alguma dúvida da integridade de seu discurso. Principalmente com relação à busca do autoconhecimento e a crença na reencarnação.





Impossível nesse momento deixar de traçar um paralelo com a vida de Jesus, o Cristo. O mundo testemunha através da História, o que a ganância pelo poder, covardemente, pôde fazer com Aquele que veio apenas nos libertar de nossa própria ignorância. A mensagem que trazia mostra o caminho para o encontro com o Absoluto através do amor incondicional, da compaixão, da humildade, de semear uma série de atitudes e regá-las com virtudes, de tornar a sermos puros como éramos quando crianças. Foram orientações exaltadas em seu sábio discurso como elementos necessários para entrar no Reino de Deus. Esse Reino não seria um lugar, mas um estado de consciência...



Embora não tenha deixado nada escrito, assim como Sócrates, sua mensagem chegou ao conhecimento de todos através de seus discípulos. Muito embora seja possível que a mensagem de Jesus tenha sofrido distorções por parte da Igreja e não se sabe ao certo até que ponto.

Em 1949 foram encontrados manuscritos que ficaram conhecidos como Manuscrito do Mar Morto, por terem sido encontrados nessa região. Considerado a maior descoberta arqueológica do século, os textos originais escritos em Aramaico suscitam a possibilidade de Jesus ter permanecido junto aos essênios dos doze aos trinta anos. Os essênios era um povo que tinha como hábitos de vida a completa harmonia com a Natureza e a consciência de que Deus era a Totalidade Cósmica e Universal. Só se alimentavam dos produtos da terra, vivos, a fim de obter o poder vital. Considerava a carne um alimento morto, exceto o peixe. Viviam em meditações profundas, transcendentais e em orações.

O Evangelho de Tomé encontrado em 1949, também podem nos trazer à luz possíveis distorções. Ambos são objetos de estudos e podemos encontrar publicações elucidativas. Fica claro através desses inscritos que Jesus exortava o autoconhecimento para atingir o Reino de Deus, que estaria dentro de nós.

Corrermos o risco de ficarmos enredados no mundo visível, dominados por nossos sentidos, principalmente pela visão que capta as imagens.

Durante três anos estudei Belas Artes na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Essa foi outra batalha que meu lado sensível ganhou. Pude exercitar o hemisfério direito do meu cérebro. Foi um grande aprendizado, muito sofrido para mim que era tão rígida, racional e matemática. Até as pinturas refletiam esse padrão com geométricos abstratos, que consegui dar certa leveza. O fato mais interessante é que aprendi muito sobre ilusões.

Para criar profundidade na pintura, que utiliza como meio a superfície plana de duas dimensões, o artista tem que utilizar artifícios e métodos para criar a ilusão de profundidade. Existem tratados imensos sobre o assunto. O resultado fica tão surpreendente que o observador nem se dá conta desses detalhes, fica absorto com a beleza da obra.

Foi no Renascimento, movimento artístico que teve início no século XIV, na Itália, irradiando-se por toda a Europa até meados do século XVI, que os grandes mestres nos legaram obras riquíssimas, resultado de muita pesquisa e trabalho árduo, fonte de estudo e inspiração para os estudantes de Arte.

O Renascimento absorveu as idéias do Iluminismo e Humanismo, valorização do racionalismo, da razão, dos pensadores. Um retorno dos valores greco-romanos da antiguidade, da filosofia de Platão (época em que as obras de Platão foram traduzidas em vários idiomas e torna-se objeto de estudo), razão pela qual esse movimento foi chamado de Renascimento. Busca da dignidade do ser humano, do conhecimento científico, onde os pintores, desejando pintar a realidade o mais perfeitamente possível, desenvolveram várias técnicas como a perspectiva e o método do claro e escuro, que consiste em pintar algumas áreas iluminadas e outras na sombra, fazendo um contraste para reforçar a sugestão de volume dos corpos.

Leonardo Da Vinci, autor da “Última Ceia” e “Mona Lisa”, conhecida pelo sorriso e olhar enigmáticos e Michelangelo, famoso pelas pinturas no teto da Capela Cistina, no vaticano, e pela escultura de Davi, são os mestres consagrados desse período tão rico em criações e pesquisas.
Tanto Michelangelo como Leonardo Da Vinci alcançaram êxito em pintar o corpo humano em conseqüência de suas experiências em dissecar cadáveres, o que lhes deu pleno conhecimento da localização precisa dos ossos, músculos, tendões e veias que compõem o ser humano. Por essa razão suas obras são tão realistas.

Nessa mesma época fértil surgiram grandes filósofos como Voltaire, Montesquieu, Rousseau, Kant entre muitos outros.

A arte atravessa o tempo e carrega em si o reflexo do pensamento do Homem. Em todos os movimentos artísticos podemos observar sua evolução, perceber o sentimento que move o artista, sua maneira de encarar a vida. A Filosofia está impressa em cada obra.

E vejam que interessante aconteceu no início do século XX, quando a Arte Conceitual desejou desmoronar todos os tradicionais aspectos da arte, e considerar as reflexões e conceitos, que estão por trás de uma obra artística, superiores ao próprio resultado final da obra.

A Arte deixa de ser feita para ser olhada e passa a ser considerada como idéia e pensamento. As discussões teóricas são mais relevantes. Diferentes meios podem ser utilizados para expressar a arte. Assim, fotografias e vídeos servem como documentos das ações e processos. Sendo que os mais freqüentes são as instalações e performances.

Os artistas conceituais criticam as instituições, o mercado de artes, o sistema de seleção de obras e o materialismo da sociedade de consumo. Os artistas desejam uma arte viva para ser compreendida por todos.

Por volta de 1960 a Arte Conceitual se espalha pelo mundo inteiro. O principal objetivo era popularizar a arte e utilizá-la como meio de comunicação. Permitir que o público deixasse de ser apenas um observador do produto pronto e seja estimulado a fazer reflexões sobre a arte. Por outro lado, para obter qualidade em sua obra, o artista tem que desenvolver profundo conhecimento em Filosofia, História, Cultura e informações atuais, de forma a criar reflexões consistentes.

Joseph Beuys foi um dos artistas plásticos mais importantes da arte contemporânea alemã e internacional. Para alcançar e compreender o valor do seu trabalho será interessante conhecer um pouco de sua vida.

Um acidente, que sofreu como piloto na guerra, influenciou sua trajetória. Seu avião foi atingido e como único sobrevivente, gravemente ferido, foi resgatado por uma tribo de tártaros. Cobriram seu corpo com gordura animal e o envolveram em feltro para curar as feridas. A partir dessa vivência mística com a tribo xamânica, Beuys teria desenvolvido profundo respeito pela natureza e espiritualidade cósmica. Estudou e tornou-se professor de escultura na Academia de Dusseldorf. Foi muito influenciado pelas teorias de Rudolf Steiner, filósofo austríaco e criador da antroposofia, onde absorve a idéia da “unidade na multiplicidade”, dos quatro níveis do homem: corpo físico, corpo etérico, corpo astral e o “Eu”.

A antroposofia é uma filosofia de vida que reúne os pensamentos científico, artístico e espiritual numa unidade e que corresponde às questões mais profundas do homem moderno sobre si mesmo e sobre suas relações com o universo. Trata-se de uma ciência que se interessa pelos processos físicos abordados pelas ciências naturais e também por todos aqueles processos que não podem ser materialmente mesuráveis. Rudolf Steiner utilizava a palavra “oculto” para designar aquilo que não estava acessível aos nossos sentidos físicos, considerando os cinco sentidos. Esse “oculto” poderia ser investigado com a mesma clareza com que se investigam os fenômenos físicos, ainda que essa investigação seja realizada com outros métodos e com outros órgãos da percepção. Talvez seja essa a linha de pensamento que decifra a enigmática frase usada por Beuys: “Tornar os segredos produtivos”.

Para Beuys “Toda pessoa é um artista”. A experiência pessoal é o único caminho capaz de nortear a criação. As mudanças na estrutura social e política do mundo aconteceriam somente a partir da arte.

Toda a obra de Beuys é regida pelo sentido político, social, ecológico e metafísico. Os animais que tanto amava estão presentes em seu trabalho, assim como a gordura animal e o feltro da tribo xamã. Muitas de suas ações serviam apenas de pretexto para a criação de fóruns de debate. Vamos ver algumas delas:



Em “Como explicar os Quadros a uma lebre morta”, ele
se fecha no estúdio com uma lebre morta no colo, sua própria cabeça e rosto pintados com tinta dourada e mel;




Em outra performance: “Coyote. I Like America and America Like Me”, em 1974, ele se fechou numa galeria nova-iorquina durante três dias com um coiote;





A exposição “Arvoredo em Lugar de Administração da Cidade”, em 1982, serviu de pretexto para, após uma longa discussão sobre o homem e a árvore, dezenas de pessoas plantarem 7.000 carvalhos;




Durante um comício de ecologistas, fez uma escultura com o papel proveniente dos panfletos e cartazes que pegava do chão;


Participou de uma manifestação contra a poluição. Arriscando sua própria vida, nadou na zona poluída de Zuinder Zee.



“É um ato sacrifical como uma greve de fome ainda mais gritante ou talvez a ternura pela natureza doente. É uma natureza que morre por nós! Um ato, afinal, de compaixão, mas de terrível apelo à consciência da comunidade para dizer que a morte de um lago é mais importante do que a simples morte de um homem.” (Jacinto Rodrigues – Universidade do Porto – jornal “A Página”, n.101).


Com ações desse tipo Beuys teve papel importante na fundação do Partido Verde na Alemanha. Para encerrar a lista de algumas das ações desse artista genial, não posso deixar de citar o evento provocado por um grupo de pessoas, que não compreendiam a arte de Beuys, e organizaram uma passeata para protestar contra ele. Surpreendentemente o próprio Beuys comparece a passeata (que seria contra ele mesmo).

Não só comparece, mas acompanha a passeata, enquanto autografa as roupas das pessoas ali presentes. Ao final da passeata ele propõe que todos queimem a peça de roupa que ele havia assinado como prova de que sua arte não valia nada. Mas cada peça daquela, assinada por ele, valia agora uma fortuna. E o que sucedeu é que ninguém foi capaz de queimar a assinatura de Joseph Beuys.

"Deve haver uma relação entre o criador e o que usufrui - viver é criar com e para a humanidade.”
Joseph Beuys

O mundo está povoado por esses seres. Eles são tão comuns como nós. A diferença é que apenas alguns poucos conseguem vencer a superficialidade do quotidiano e mergulham na razão última de estarmos todos aqui...

Há algo de Maior e mais profundo nesses seres... Algo que os faz transformar o trágico em experiência purificadora... Um sentimento profundo move suas ações... Sua alma transborda e se integra à alma do Mundo...

Por isso suas ações estão voltadas para a Humanidade... É exatamente aí, a meu ver, onde reside o brilhantismo de homens como Joseph Beuys.

Ah... Filosofia! O que seria de nós, pobres mortais, se não fosse a Filosofia... Através dela nos tornamos mais divinos...

Vamos agora até a Índia, berço do budismo... Vamos ver um pouco da filosofia hindu.

O budismo é muito interessante. Deu-me muitas respostas e caminhos equilibrados. Através do autoconhecimento e sabedoria encontra-se a tão desejada paz interior.

Gosto da história de Buda contada por Deepak Chopra em seu livro “Buda, a história de um iluminado”.

Num breve resumo, é a história de Sidarta Gautama, um príncipe que, logo após seu nascimento teria recebido a visita de um sábio eremita que, dirigindo-se ao rei Suddhodana, profetizou: “Seu filho será um grande governante, porém possui dois caminhos e terá que optar por um deles: Governar o mundo ou governar sua própria alma. O segundo caminho, eu lhe asseguro, é o mais difícil. Dominar o mundo é fácil, mas dominar a própria alma é como dominar toda a criação. Pena que não viverei o bastante para ouvir a verdade imortal que o Buda irá proferir.”

Suddhodana, desejando (o que a maioria dos pais comuns desejaria) que seu filho fosse um grande rei e governasse o mundo, cercou o pequeno príncipe de uma vida farta e luxuosa dentro dos limites do Castelo, retirando dali todas as pessoas e animais velhos, doentes e moribundos. Não permitiria que visse qualquer tipo de sofrimento, imaginando que dessa forma afastaria Sidarta das questões da alma.

O fato é que Sidarta desenvolveu seu próprio juízo de valores, e ainda que fosse um rei o seria com bondade e justiça. Quando completou dezoito anos casou-se com sua prima e com ela teve um filho. Mas ele ouvia rumores à cerca da vida fora dos domínios do castelo, então decide sair e se depara com toda sorte de infortúnios que seu pai lhe escondera. Doentes, velhos, famintos, desabrigados, crianças abandonadas e maltrapilhas, mortos e tudo mais. Acredito que o choque foi ainda maior do que se tivesse convivido com esses fatos desde pequeno. A questão é que Sidarta se deu conta da ilusão a que fora submetido e se deparou com a realidade. E foi justamente a questão do sofrimento a base de toda a filosofia que desenvolveu.

Sidarta parte em peregrinação, abdicando do título de príncipe e tornando-se monge aos vinte e nove anos. Acompanha por um tempo outros monges sábios. Estes cultuavam a mortificação, privação de alimentos e duras privações, motivo pelo qual Sidarta decide continuar sozinho, após concluir que tais privações são inúteis.

Esse é o momento em que descobre que atitudes extremas são prejudiciais, o ideal é o que ele chama de caminho do meio, baseado no equilíbrio.

Depois de muita meditação e confrontos com Mara (o demônio que intencionava impedir Sidarta de prosseguir sua evolução, oferecendo-lhe em troca todos os prazeres mundanos, o que não obteve sucesso; por fim oferece a Sidarta o tão desejado estado de Nirvana, com a condição de que não passasse seus ensinamentos aos demais, neste momento Sidarta deve ter pensado duas vezes, porém decide compartilhar seus conhecimentos com toda a humanidade), alcança enfim a iluminação, tornando-se então o Buda.





Assim como Sócrates e Jesus, Buda não deixou nada escrito. Seus ensinamentos foram espalhados através dos muitos discípulos que o seguiram. Apesar de o Budismo discorrer sobre a questão da cosmologia e outros conceitos, a chave para a libertação de todo ser humano seria atingir a iluminação transcendendo o sofrimento.

A questão do sofrimento humano é abordada de forma simples e espetacular quando nos adverte que a origem do sofrimento está no apego a coisas, pessoas e situações e em nossa total incapacidade de aceitar que não temos o controle de determinados acontecimentos. Temos a ilusão de que tudo nos pertence. Até as pessoas queremos controlar, queremos que sejam como desejamos, não aceitamos como realmente são. O conflito maior, então, estaria novamente relacionado à ilusão.

Perdemos tanto tempo e energia nos revoltando com situações contrárias a de nossa vontade ao invés de utilizá-la como degrau para nossa evolução pessoal.

O mais importante diante de qualquer experiência não é a experiência em si, mas o quê fazer com ela, como reagir. Tudo é uma questão de olhar, de focar as questões.

A questão da morte pode, oportunamente, servir de exemplo. Sabemos que vamos morrer. Por que não pensar no despropósito da morte se não houvesse uma razão realmente plausível para sua existência. Sabemos que o universo é infinito. Existem milhões e milhões de galáxias que, como a nossa, possuem planetas girando em torno de um sol. Não sabemos nada a respeito deles, não sabemos muito a respeito do nosso sistema solar. Nem sabemos tanto assim sobre o funcionamento de nossos próprios corpos. Por que razão escolher a pior das hipóteses para explicar a morte. E se a morte for apenas uma mudança de dimensão, uma transformação? Segundo Lavoisier “Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. E se a morte for uma transformação de “lagarta para borboleta”?

Por que não damos a melhor resposta diante da morte? Por que não damos a melhor resposta diante da vida?