Para ler, refletir e despertar...



OS SONHOS



Todo mundo tem um sonho, um ideal, uma conquista que gostaria de realizar. Acredito que na infância, quando ainda somos puros e inocentes, esse sonho seja o verdadeiro sonho. Depois, à medida que vamos crescendo, somando responsabilidades e nos contaminando com o mundo capitalista, esse primeiro sonho vai ficando esquecido, enquanto gastamos energia em busca de outros sonhos que nos são apresentados e alimentam essa versão superficial e materialista que o mundo tenta impor a todos nós. Seja um emprego com boa remuneração, embora não combine em nada conosco; seja uma faculdade de carreira promissora que os nossos pais sonham que façamos, mesmo que não corresponda aos sonhos de quando ainda não tínhamos idéia dos valores materiais. Dessa forma vamos atropelando e deixando para trás nosso sonho de criança... Puro e desinteressado.


A boa notícia é que, embora esse sonho seja negligenciado e esteja distante, em algum lugar dentro de nós ele grita e tenta chamar nossa atenção.



Enquanto estamos envolvidos em algum projeto que “aparentemente” nos satisfaz, não percebemos esse clamor. Mas o tempo vai passando, o projeto que nos trazia satisfação vai perdendo o encanto, pois não era profundo e sua satisfação é fugaz, então buscamos outros em sucessivas tentativas.
O tempo vai passando... Algumas pessoas se deparam com seu verdadeiro sonho e o realiza. Estes se tornam seres realizados tomando posse de uma felicidade plena. Independentemente de sua situação financeira, estão felizes. Gozam de boa saúde, pois todas as células de seu corpo estão em harmonia. E como uma bela sinfonia, sem desafinar, eles compõem belas melodias que irão refletir em sua aparência externa. Podemos identificá-los por sua vitalidade, o brilho no olhar, a pele macia e aveludada, o corpo harmonioso e a voz serena. Esse é o resultado da alma que transborda.





Entretanto a maioria das pessoas não dá atenção a essa voz interior, que a chama para seu sonho e tenta despertá-la para sua verdadeira essência. Ficam distraídas com as conquistas materiais, mas não as preenchem por completo, como já disse, são conquistas transitórias que logo são substituídas por outra e por outra, arrastando os indivíduos para as frustrações, sensações de vazio, desilusões.
As células do corpo desses seres não estão em harmonia, por essa razão, correm grandes riscos de adquirir diversas doenças, que a própria ciência admite estar relacionadas com o estado mental do indivíduo. Somos nós que causamos, inconscientemente, nossas doenças físicas. Fazemos isso quando tentamos “encaixar” nossas vidas em padrões convencionais que nem sabemos quem os padronizou. Afinal quem os padronizou? Quem são essas pessoas? O que pensam? Como se comportam? Quem são eles?


Afinal, se esses padrões fossem realmente o mais adequado, não deveríamos estar vivendo num mundo mais harmônico, povoado por seres realizados e plenos?
Se eles formam a maioria, e formam, pois somos guiados quase que em transe para obedecer a esses padrões, o rumo da História do Planeta, se esses padrões fossem o mais adequado, não deveria estar em harmonia?
Você percebe alguma harmonia em devastar o planeta inconsequentemente? Você percebe alguma harmonia em obter poder e dinheiro sem base na ética e na moral? Que valores são esses camuflados nesse padrão convencional? São perguntas que devemos fazer a nós mesmos!

Para ajudar a encontrar respostas eu recomendo que leiam a respeito dos grandes pensadores, filósofos, cientistas e todos que de alguma forma norteiam essas questões, de forma a abrir um leque de opções mais sublimes.
Abram suas mentes para o conhecimento e fujam da prisão da ignorância que arrasta a todos nós. Devemos buscar, ou mesmo criar, modelos mais sublimes para nos inspirar e obter acesso a um crescimento interior e consequentemente exterior.

À medida que for aprofundando seus conhecimentos vai perceber certa solidão. É claro! Lembra que a maioria segue o padrão? Então... Você vai ficar fora da maioria... À margem... Sentindo uma solidão... Não desista, procure os seus pares para se fortalecer, tente encontrar um grupo que compartilhe com suas idéias. Talvez o Greenpeace ou a Sociedade Protetora dos animais, não sei qual grupo você vai se identificar, mas com certeza você vai saber que encontrou quando sentir uma satisfação interior ao conhecer o desenvolvimento do trabalho e das idéias desses grupos.
Enquanto não encontra seu lugar no mundo, não tente se enquadrar no padrão. Não tente ser ou fazer o que de fato não é e não concorda. Será uma violência contra si mesmo. Não faça concessões, seja leal a você mesmo. Com o tempo vai perceber que muitos se afastaram de você ou você se afastou de alguns, simplesmente porque não concorda com suas idéias, está mais seletivo e exigente com as companhias, não se interessa por discussões inférteis.

Estou apenas convidando você a questionar... Questionar seus sentimentos, suas propostas, o que pensam seus amigos... Você concorda com eles ou está fazendo concessões para se enquadrar? São apenas questionamentos... Está feliz com sua profissão, seu relacionamento? O quanto está se violentando para manter uma situação infeliz? Você tem medo de mudanças? Está preparado para mudar? Quais sentimentos norteiam suas ações?

Os questionamentos irão conduzi-lo às respostas que tanto precisa. O importante é não deixar de questionar.

É impressionante o número de cientistas, filósofos e outros pensadores que simplesmente não aceitaram os padrões convencionais, puseram-se a questionar e em decorrência disso fizeram descobertas extraordinárias. Muitos foram, inicialmente, criticados, rotulados de loucos, outros foram até condenados à morte, mas hoje suas convicções, que tanto causaram escândalo, são verdades e até padrões convencionais.

Livros de Filosofia abrem um universo de interpretações à cerca da existência. Biografias relatam conflitos até das mentes mais brilhantes. O conflito interior é uma característica do ser humano que pensa e questiona, buscando respostas e soluções.



“Não imploreis aos deuses impotentes;
é em vós mesmos que deveis procurar o que
é preciso para a vossa libertação. Cada
homem constrói sua própria prisão.”

Sidarta Gautama, O Buda




Particularmente penso que absorvi muitas idéias e pensamentos através da leitura, assim como adquiri muitos outros questionamentos, de maneira que me faltava algo com o qual pudesse colocar tudo em prática e funcionar efetivamente em minha vida. Na realidade, o conhecimento é apenas uma porta, o caminho é vivenciar, e a qualidade da vivência é definida pela forma com a qual aplicamos nosso conhecimento diante dos acontecimentos.

Outros fatores de ordem psicológica são determinantes na qualidade de vida. A forma como o mundo lhe foi apresentado, como foi orientado a enfrentar os desafios e os estímulos que contribuíram para a formação da sua personalidade são obstáculos que devemos vencer.

Adquiri-se certa vantagem quando admitimos nossas fraquezas e cuidamos para que ela não seja o motivo de nossas derrotas. Para admiti-las é imprescindível o autoconhecimento.


Por diversas vezes minha insegurança derrotou-me. Eu sabia que deveria enfrentá-la... Em muitas noites adormeci pensando nisso. Tenho por hábito, ao deitar-me à noite para dormir, fazer uma pequena reflexão dos últimos acontecimentos, só então vou dormir.

Uma noite tive um sonho muito interessante, relacionado com a minha insegurança, que resultou no projeto desse livro.

Sonhei que havia escrito um livro de auto-ajuda e conquistado significativo número de leitores. Era noite de autógrafos e eu estava feliz em ver que minhas idéias eram compartilhadas pelas pessoas ali presentes.

Ao acordar desejei estender ao máximo aquele sentimento de felicidade. Fiquei pensando no sonho e fui arremessada a um passado distante. Lembrei-me que era ainda muito criança quando manifestei a vontade de ser escritora. Vontade essa que com as circunstâncias e o tempo foram ficando no fundo de um baú, no porão do inconsciente. Era o meu sonho de criança... Puro e desinteressado. Senti um aperto no peito. Não foi um sonho comum. Emergiu do inconsciente. Por isso dei-lhe muita atenção.

O conteúdo do livro surpreendeu-me, pois fazia referência ao imaginário infantil. Inicialmente fui capaz até de soltar gargalhadas, e pensar como era ridículo. Só em sonho faria tanto sucesso... Mas pensando bem... Não é que faz sentido!




“Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, todo o universo conspira a seu favor.”

Goethe



O livro convidava o leitor a fazer uma experiência para vencer suas inseguranças. Confeccionar uma roupa, como os super-heróis possuem, e ao utilizá-la imediatamente ficaria dotado de poderes. A princípio a idéia pareceu-me absurda, mas analisando com mais cuidado... Comecei a tecer uma análise a respeito, que gerou efetivamente esse livro. Enfim, decidi dar a devida atenção a meu sonho, tornando-o real.

A roupa teria que ser confeccionada estritamente para esse fim. Não precisa ser igual a do Batman ou da Mulher Maravilha. Pode ser algo mais discreto. Um sobretudo seria perfeito.

Pensei num sobretudo pela sensação de proteção que ele suscita. Calma... Não tirem conclusões apressadas, não vamos sair por aí escalando edifícios... Vamos apenas soltar a imaginação e a criatividade (fazíamos isso tão bem quando crianças! Por que ficamos tão rígidos?).


É claro que o sobretudo, enquanto apenas uma roupa, não nos daria nenhum poder. É apenas um símbolo! E como tal, deve adquirir um significado especial. A sua mente fará o verdadeiro trabalho. Na realidade o poder sempre foi nosso, está dentro de nós, o que faremos é usar o sobretudo para abrir essa porta da nossa mente.





Para quem tem problemas de insegurança pode ser uma saída estratégica. Teria que testar essa teoria em mim mesma, antes de apresentá-la aos leitores, que assim como eu, estão ávidos por soluções.


Perceba que já fazemos isso inconscientemente. Quando colocamos óculos escuros, por exemplo, não é só para diminuir a luz!


Por que as roupas são os objetos mais procurados para elevar a auto-estima?


Aprofundando a análise da relação que as pessoas possuem com as roupas vamos nos surpreender ao saber que, inconscientemente, gastamos uma considerável quantia em dinheiro com roupas para manter um padrão que foi incutido em nossas mentes, e também para impor respeito perante as pessoas. Percebo determinadas situações em que as roupas alteram o comportamento daquele que me vê. O pior é que funciona assim... Mas até certo ponto.


Até o ponto em que atingimos determinado estado de consciência, no qual concluímos que o respeito se dá em conseqüência de atitudes e não de aparências. Nesse momento também fica claro que não precisamos da aprovação dos outros. Estaremos tão plenos em nós mesmos que a opinião alheia realmente não importa. Será o fim de toda a necessidade de “parecer” respeitoso pela roupa que se veste, porque será naturalmente respeitado.


O respeito será conseqüência de um comportamento consigo mesmo. Você se respeita, se admira, está pleno e não precisa de aprovação. Será livre para usar a roupa que desejar, não precisa dela para esconder sua insegurança. Seu caminhar será seguro e imponente mesmo estando de camiseta, bermuda e chinelos. Esse comportamento virá de dentro do seu íntimo, por isso é verdadeiro, se reflete na face, nos olhos, no caminhar.


Naturalmente as pessoas a sua volta vão perceber, admirar e invejar, mas que ironia, você já não se importa. Está em outro estado de consciência. Está tão pleno que não sintoniza com escala de valores. Será naturalmente tolerante com aqueles que ainda se encontram acorrentados a valores aparentes, escravos de suas ilusões, pois saberá que já fez parte desta prisão e o quanto foi doloroso e difícil vence-la.


Também saberá que é um aprendizado solitário, cada um tem seu tempo e seu modo para despertar da ilusão que encarcera o ser humano a valores que o destroem. E pasmem, muitos morrerão sem nem sequer saber do que estamos falando.


Pessoalmente minha batalha está no meio. Meu ser interior anseia por liberdade, minha consciência desperta lentamente, porém ainda encontro dificuldades oriundas da minha insegurança. Estou exausta com essa luta entre o eu interior individualizado e o exterior pressionando para continuar prisioneira.


Imaginem... Ter a consciência do que o meio pode fazer a você e ainda assim não conseguir vencê-lo! É extremamente conflituoso. Ao menos já tenho conhecimento de que essa luta existe e se faz necessário um forte combate. Mas nem sempre eu fui assim...



Final





Agora compreendo que não deixei o capítulo que fala sobre o Amor de fora, apenas chegou a mim no momento apropriado. Ele está exatamente onde deveria estar... No fim Tudo é uma questão de Amor... Quando terminares de ler essas reflexões, e fechar o livro sobre a mesa, de qualquer forma... Ou o Amor estará na base de todas as coisas, ou sobre todas as coisas...




“Ainda que eu fale a língua dos homens e dos anjos,
se não tiver Amor,
serei como o sino que ressoa ou o prato que retine...

Ainda que eu tenha o dom da profecia,
conheça todos os mistérios e a ciência de todas as coisas;
e tenha uma fé capaz de mover montanhas...
Se não tiver Amor, nada serei...

Ainda que eu dê aos pobres tudo que possuo
e entregue meu corpo para ser queimado...
Se não tiver Amor, nada disso valerá... "

Paulo, Coríntios 13.






“Não sei o que o destino me reserva...
Sei que caminho esperando que algo de novo aconteça...
Algo que me faça feliz...”


André Luiz da Silva Ferreira



Esse pensamento é do meu sobrinho... Também é de toda sua geração... Das que virão...

Também é o nosso pensamento... Dos animais... Das plantas... Todos buscam a felicidade...

Resta-nos apenas saber o que realmente nos faz feliz...

E quando encontrarmos o que realmente nos faz feliz para sempre... Estaremos aos pés do Belo, do Bem, da Verdade... De todos os aspectos divinos do Amor... Aí sim, seremos deuses... E, então, poderemos dar alguma esperança a eles nas longas noites de inverno...

Capítulo s/n - parte 12




O Amor


Era um fim de tarde e eu levava o Mike para um passeio.
Todos os dias o Mike faz o mesmo caminho. Nessa tarde, ele pegou uma rua que raramente passamos. Um pouco mais a frente encontrei o Sílvio. Eu tinha deixado com ele um exemplar do livro, contendo a primeira versão desse capítulo.
Desabafei a história da vizinha e comentei que ainda estava com um mal estar. Ele ficou surpreso. Como alguém que escreve um livro desses pode estar passando por isso! Quem ler esse livro vai achar que você mora num paraíso...
Mas, essa era justamente a minha pergunta... Como eu poderia viver no meio de um caos sem permitir que esse caos atue sobre mim? Eu tentava fazer isso, mas tinha que desprender muito esforço, ás vezes não conseguia de imediato e acontecia de mergulhar em energias negativas, quase sucumbindo. Eu queria descobrir um meio de bloquear energias negativas com mais naturalidade, espontaneidade e instantaneamente...

Conversamos mais um pouco e ele comentou sobre o capítulo do Amor. Achou fraco. Assim como a Marcinha havia falado. Depois disso, ele me confidenciou que o Amor, como forma de energia, era seu assunto predileto, já havia escrito algumas coisas sobre isso. No dia seguinte ele me entregou seus manuscritos, tinha umas dez páginas sobre a energia Amor, segundo uma visão científica. Agradeci e li com calma.

Não tenho nenhuma dúvida de que o Silvio foi meu mestre naquele momento tão oportuno. Veio para selar definitivamente com Sabedoria a questão do Amor. Depois que li seus escritos, todas as sombras se dissiparam.

Foi fantástico! Conforme percorria o texto, podia sentir a energia me envolvendo com tamanha intensidade que refrescava minha alma, dissolvendo todos os nós, restabelecendo meu equilíbrio...

Foi uma luz, uma fonte de inspiração para completar o capítulo sobre o Amor. Muito embora o texto do Silvio fosse todo com bases científicas, me abriu uma percepção maior e mais consistente.

Não pude calcar esse capítulo de forma científica como ele o fez, pelo simples fato de, além de não possuir um conhecimento científico do assunto, minhas experiências são todas oriundas do inconsciente, dos sonhos e de observações atentas. O meu laboratório é o cotidiano, são as pessoas que me cercam; as situações e os conflitos oriundos desses relacionamentos; e sobre eles debruço meus questionamentos até chegar às reflexões... Basicamente falamos a mesma coisa em linguagens diferentes. Cada pessoa interpreta o mundo de forma particular e única.

Vale à pena penetrar na visão do outro, a fim de observar aquilo que deixamos passar despercebido, enriquecer nossos conhecimentos e abrir um “leque” de opções mais sublimes.

Sou grata ao Silvio por me proporcionar um aprendizado e me conceder a honra de colocar, na página cento e quarenta e um, o trecho retirado de seus manuscritos; e no final do livro, na bibliografia, seu e-mail estará disponível para quem quiser se aprofundar cientificamente sobre a energia do Amor.

Não posso deixar de agradecer também a Energia Inteligente e Perfeita que entrelaçando nossos caminhos, permite tantas oportunidades de crescimento.

Ah! Já tenho a resposta... De como conseguir um “bloqueador de energias alheias”. Na verdade não é um bloqueador, é mais que isso... É um gerador e transformador. Para funcionar tenho apenas que desejar e mentalmente visualizar a energia do Amor vindo do cosmos, entrar pelo meu chacra coronário e ir para o meu coração; dali se espalha e percorre todo o meu corpo internamente até transbordar... Em seguida, aumento esse campo energético a minha volta até englobar tudo e todos ao meu redor. Esse campo magnético transforma toda a energia ao meu redor em Amor. Quando encontro alguém que também esteja emitindo a energia do Amor, elas se juntam e se potencializam.





Será que só conseguimos aprender a lição de maneira tão sofrida?

Ao menos aprendi. Enquanto Ele estiver me ensinando é porque não desistiu de mim... Ele nunca desiste... De ninguém... Nunca... Ele está sempre pronto a ensinar... Nós é que não estamos prontos para entender Seus ensinamentos... Por isso sofremos tanto... Pelo menos até entendermos!

Recebemos do Universo, não o que queremos, mas aquilo que mais precisamos...

Eu sei que para muitos, ter toda essa diversidade na vida, pode parecer uma cruz pesada demais para carregar... Mas, para mim têm se revelado um terreno fértil... Hoje sei, que tudo que vivi, tudo que me foi ofertado... Até os acontecimentos mais terríveis... Foram ensinamentos com o fim de me fazerem chegar exatamente aqui...

“Não te iludas com o que os olhos vêem, a mente cria, as palavras dizem; o que deves fazer não é muito nem pouco: é tudo por amor que recebes do infinito.”
Trigueirinho


Sei também, que muitos vão pensar que esses pensamentos são utópicos. Mas, é que me parece tão óbvio que, se somos capazes de criar o caos, é porque também somos capazes de criar o paraíso! Será uma tarefa difícil, por todas as razões que expus, mas é possível! Pode levar muito tempo... Mas é possível...

“Quando se sonha sozinho é apenas um sonho.
Quando sonhamos juntos é o começo da realidade.”

Jardim dos Pensamentos


Vamos imaginar a situação ao inverso. Imaginem que vivemos num paraíso. Todos são muito amáveis e felizes. Mas, chega um “louco” e declara: “Ah, isso aqui está muito monótono, vamos criar uma guerra?” As pessoas ao ouvirem aquilo pensariam que ele é louco... Ninguém lhe daria ouvidos! Quem iria, em sã consciência, preferir a guerra ao invés da paz.

Mas, determinado a empreender seu projeto de tornar o paraíso um caos, ele inicia por sua própria conta. Ele tem um filho, um só para dificultar um pouco mais, e começa a nutrir naquele filho a semente do ódio. Desde pequeno vai despertando o ego do filho. Para dificultar um pouco mais, vamos supor que o filho ainda assim consegue resistir aos apelos do ego. Vendo que seus planos não surtem efeito, o louco começa a oprimir o filho.

O pequeno menino, agora já um rapaz, começa a se sentir diferente dos outros. Deseja encontrar uma namorada, mas as moças temem a loucura do pai dele, ninguém deseja o caos. O rapaz então fica muito triste e magoado. Era a oportunidade que o do pai esperava. O rapaz fica ouvindo o pai lhe dizer que o mundo é cruel mesmo, que é loucura ele tentar ser igual aos outros, e ensina o filho a ser independente e egoísta.

Por mais que o rapaz houvesse resistido, os ensinamentos do pai para despertar seu ego; a opressão que sofreu do pai; o sentimento de rejeição das moças; a tristeza e a mágoa; as crenças do pai de um mundo cruel; e os treinamentos para se tornar independente e egoísta acabam por transformá-lo, de um ser amável em um ser revoltado e cheio de ódio.

O pai dele morre feliz, em saber que alcançou uma vitória. O rapaz vai para um lugar distante, onde ninguém o conhece. Esconde o máximo que pode todos aqueles sentimentos ruins que tem dentro de si, a fim de encontrar uma esposa. Casa-se e tem dois filhos, só dois para dificultar um pouco mais. Ele teme que seus filhos possam sofrer o que ele sofreu e repete todas as atitudes do pai em seus dois filhos. Vai ainda mais além. Constrói um muro ao redor do terreno de sua casa e vende: o excedente do que produz da sua plantação; o leite da vaca; os ovos da galinha; e até a água ele vende para os viajantes sedentos. A história se agrava, agora são dois filhos e uma esposa oprimidos; e também... O início do capitalismo...

Ele sabe que não deve compartilhar suas idéias com os outros, então, age silenciosamente, na frente de estranhos ele é gentil e amável. Quando lhe perguntam por que cercou o terreno e vende as coisas que a natureza dá em abundância, ele responde que é o progresso. Os filhos crescem; se casam e têm filhos. Agora ele também tem os netos e bisnetos para persuadir...
Além disso, as doenças oriundas dos sentimentos negativos começam a aparecer, pois não havia doenças no paraíso. Os filhos e netos herdarão essas doenças, que se espalharão nas gerações futuras.

Bem... Para encurtar a história, mil anos depois já teríamos um milhão, quarenta e oito mil, quinhentos e setenta e quatro pessoas contaminadas pelo ódio, e isso porque eu supus que cada filho tivesse apenas dois filhos. Esse número pode aumentar. Se cada um deles tivesse tido três filhos, em mil anos, os números seriam: seis bilhões, novecentas e setenta e dois milhões, setecentas e cinqüenta e dois mil, e duzentas e quarenta e duas pessoas alimentando seus lobos. Eu incluí as esposas de cada um deles, porém, não contabilizei as pessoas de fora da família, como empregados e funcionários que foram oprimidos por eles, os que destes se transformaram em opressores e oprimiram outras... Também não somei a esses números os que se contaminaram de ódio por causa: das doenças que se alastraram; da fome; do domínio por territórios; do progresso do capitalismo e dos conflitos oriundos dessas gerações... Difícil precisar os números. O fato é que, em algum momento da História, o paraíso seria o caos.

Não sei por que, mas esse caos me parece tão familiar...

Foi difícil e levou muito tempo, mas não foi impossível. O louco que queria transformar o paraíso em caos conseguiu. Mas, também, porque os outros que o seguiram nada questionaram...

Seria até mais difícil transformar o paraíso em caos, do que o contrário. Pois na versão do paraíso, todas as pessoas estavam convencidas de que um caos não teria sentido, ele lutou sozinho.
No mundo de hoje (o caos) a maioria deseja a paz. Apenas uma minoria, que acumula sua riqueza à custa do capitalismo e que alimenta a ilusão da maioria, não deseja essa mudança. Essa minoria faz exatamente o que o rei Suddhodana, fez com seu filho Sidarta, nos mantêm distraídos, oferecendo bens, riquezas e títulos, como garantia de felicidade; e assim nos afastamos das questões da alma. Mas, essa minoria também vive em ilusão, talvez, mais ainda do que a maioria. Por isso, quando o budismo diz que o mundo é uma grande ilusão, está se referindo à essa percepção, e que quando despertarmos dessa ilusão alcançaremos a iluminação, ou seja, veremos tudo claramente! Então, o “louco” que quiser transformar o caos em paraíso não será mais visto como louco e terá o apoio da maioria.

Será difícil, mas não impossível. Levará muito tempo? Menos do que transformar um paraíso em caos, já que a maioria deseja o paraíso.

Eu sei que no caos teremos um agravante que não havia no paraíso, e esse fator não nos deixa com muito tempo disponível. Ainda teremos que salvar o planeta de nós mesmos!

Mas aí, meu amigo, na pior das hipóteses, nem eu com a minha utopia, nem a mais indecente covardia iremos levar a melhor!

Se não despertarmos nossa consciência será o fim da nossa espécie no planeta. É isso mesmo, só a nossa (e aquelas que nós mesmos extinguimos)! Porque o planeta se refaz... Vai passar um tempo... As árvores vão crescer... Alguns animais vão continuar nascendo, crescendo e se reproduzindo... O clima vai ficar bom... As calotas polares não vão mais derreter... As águas serão límpidas... Não haverá poluição... Porque não haverá nenhum homem sobre a Terra para fazer o caos... É... Também não deixa de ser uma forma de transformar o caos em paraíso... Mas, pensa bem... Essa opção não me parece um final feliz... E se o supremo amor é o desejo do que é bom e de ser feliz, está faltando alguma coisa nesse final...


“Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo,
qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.”
Ayrton Senna

Capítulo s/n - parte 11

O AMOR



Olhei nos olhos dos cachorrinhos... Ternos... Doces... Amor...
Havia me esquecido do quanto o Amor é suave... Senti a brisa fresca do Amor naqueles olhares...

Eu estava cansada e abatida, carregando o peso do ódio no coração... Desejando fazer justiça com minhas próprias mãos... Mas quem sou eu para fazer justiça... Se não possuo o conhecimento da Verdade...

Comecei a rezar, mas não conseguia... Não conseguia me concentrar...

Então, coloquei a mão no coração e apenas disse: “Meu Deus... Meu Pai tira esse sentimento ruim de dentro de mim, não me abandones, me ajude!”


“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomais sobre vós o Meu jugo e aprendei de Mim, que Sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o Meu jugo é suave e o Meu fardo é leve.”

Jesus, o Cristo

Ainda demorei uns dias para me recuperar das seqüelas. Fui novamente à delegacia, desta vez para conversar com o inspetor que recebeu a reclamação da minha vizinha.
Ele me explicou que não era um Registro de Ocorrência, não tinha nenhuma intimação. Era apenas um documento, uma Medida Assecuratória de Direito Futuro, constando, na realidade, que eu possuía cinco cachorros no meu apartamento. Caso ela quisesse, usaria esse documento para entrar com um Processo contra o Condomínio para tirar os cachorros. Talvez ela esteja exigindo o cumprimento da minha parte no acordo que eu mesma propus na carta que enviei ao síndico há quatro anos.

Eu já estava estendendo demais o tempo de mudar. Não por que não quisesse me mudar... Simplesmente eu não conseguia... Não sei explicar por que todas as vezes que achava uma casa ideal, não conseguia concretizar a mudança.

Todos os dias eu converso com Deus sobre isso. Pergunto a Ele por que não consigo me mudar, o que está faltando? O que deseja de mim? Para onde quer que eu vá? Peço uma resposta, ao menos um sinal... Mas vem um silêncio que não consigo entender... Tenho até receio de uma resposta. Da ultima vez que estava numa busca desenfreada para me mudar, indo a vários locais para ver casas, querendo me mudar a qualquer custo sem, no entanto conseguir nada... Foi há três anos...

Decidimos que eu iria sozinha com os cachorros. Minha mãe queria ficar. Eu não conseguia entender como alguém consegue recusar uma melhora de qualidade de vida, num local mais tranqüilo, cercado pela natureza... Enfim, era o desejo dela ficar, eu devia respeitar.

A separação ia ser difícil. Eu amava minha mãe... Amava meu sobrinho... Amava minha irmã... Os dois não conseguiam se decidir se iriam ou se ficavam. Eu queria acompanhar o amadurecimento do meu sobrinho, mas não podia intervir na sua decisão. Fiquei pensando como é difícil para um casal com filhos se separarem.

Quando na cerimônia do casamento o padre fala: “... O que Deus uniu o homem não separa!”. Então, como é que pode ter tantos casais se separando? Difícil de entender!
Porém, se você trocar nessa frase a palavra Deus pela palavra Amor vai dar para entender melhor. Vai ficar assim: “O que o Amor uniu o homem não separa”. Levando em consideração a explicação de Platão, quando o homem denomina de Amor o que na verdade é apenas um aspecto do Amor, como riqueza, beleza ou inteligência; e ainda, que a maioria dos casais consolida sua união com base em apenas um dos aspectos do Amor, e não no Amor em todos os seus aspectos, fica mais fácil de entender! Quando o Amor engloba todos os aspectos, o homem não consegue separar...

Foi por isso que demorei tanto... Passaram-se dois anos e nada de mudança... Algo me prendia... Talvez porque não fosse o momento... Não sei... Nunca vou saber ao certo...

Tenho muitos questionamentos, observações atentas e algumas reflexões... Mas, não tenho todas as respostas... Talvez eu não esteja fazendo as perguntas certas... Não sei... Talvez não esteja pronta para receber as respostas certas...

Descobrimos que minha mãe estava com câncer. Isso não estava nos nossos planos... Não dá para fazer planos... Tem sempre algo que foge ao nosso controle, aliás, quase tudo... Os Planos nos são dados conforme caminhamos... Como não temos acesso a Todo o Plano, ficamos sem compreender em sua plenitude... Restam-nos apenas as reflexões... Sem elas nada faz sentido... Funcionam como luzes na escuridão do infinito... Essas luzes só alcançam até certo ponto... O suficiente para iluminar o caminho... Para andarmos com mais equilíbrio e menos tropeços... Somos muito desastrados...

Minha mãe morreu um mês depois da confirmação do diagnóstico. Talvez tivesse ido antes desse tempo, mas ela esperou que eu a deixasse ir... Eu fiquei em sua cabeceira agarrando-me a um fio tênue da sua vida, lamentando silenciosamente, impedindo sua partida... Nunca a vi demonstrar tamanha força e coragem... Ela sabia que ia... Não teve medo... Sua expressão era tranqüila... Não fez um questionamento, nenhum lamento, nem sequer um gemido... Apenas esperou que eu a deixasse partir... E foi justamente por causa dessa força e dessa certeza que ela transparecia, como se tivesse avistado o Paraíso a sua frente, que finalmente eu a deixei partir... Ela estava vendo aquele universo que eu apenas pressentia... Então, ela beijou minha face, deu um sorriso e caiu em sono profundo... Sua respiração foi ficando mais fraca e espaçada, até que, três horas depois, cessou completamente. Ela não estava mais ali... No corpo, deixou apenas uma expressão de felicidade no rosto... Como se fosse um registro do que o seu espírito estaria vislumbrando...

“Quando a morte vem chegando, parece que as pessoas ficam em paz. Param de lutar contra ela e se entregam com uma docilidade quase incompreensível.”
Zevi Guivelder

Também fiquei envolvida por uma força além da minha...
Desconfio que a Energia Inteligente e Perfeita tenha me envolvido numa espécie de plasma energético... Fiquei ainda mais sensível... Porém, não havia nenhum peso, ao contrário, eu parecia flutuar... Podia sentir as moléculas ao redor quando fazia qualquer movimento... Assim como... Quando estamos totalmente submersos na água e nos movimentamos lentamente, percebendo que a água preenche novamente aquele espaço, quando a empurramos com os braços num movimento circular de frente para trás, a fim de darmos impulso para caminhar...

Um mês depois eu tive aquele sonho... No qual havia escrito um livro... O momento foi muito oportuno... Sentia necessidade dessas reflexões... Foi um meio que encontrei de trazer para o consciente tudo que estava no inconsciente. Não sei explicar, mas quando começo a escrever não tenho a menor idéia de como serão as próximas páginas, muito menos o que irão conter. As idéias me chegam conforme escrevo. É como ter encontrado uma porta. Todas as vezes que giro lentamente a maçaneta, a porta se abre para meu universo interior. Tudo lá está organizado... Esperando apenas que eu transfira para as páginas em branco, mas não posso pegá-las de uma vez só, nem tentar modificar aquela organização, não tem como... Apenas enquanto escrevo me vão sendo reveladas pouco a pouco...

“A mente avança até o ponto onde pode chegar, mas depois passa para uma dimensão superior, sem saber como lá chegou. Todas as grandes descobertas realizaram esse salto.”

Albert Einstein

Saí da delegacia ainda pensando nas últimas palavras do inspetor. Nunca poderia ter sido um Registro de Ocorrência por uma suposição de que o cachorro poderia tê-la mordido. A lei não trabalha com hipóteses.
Então, ela cercou seus argumentos em cima do fato de eu possuir cinco cachorros no apartamento; mas ele explicou para ela, que mesmo assim ela não poderia fazer nada contra mim, teria que ver na Convenção do Edifício e, se fosse o caso, entrar com Processo contra o condomínio.
Quanto à focinheira, ela também não poderia me obrigar a usar, já que o meu cachorro não está na lista das raças que a Lei Municipal obriga o uso. Mas eu vou colocar, pelo menos enquanto entro e saio do edifício com ele, tenho que respeitar as diferenças... Tem pessoas que tem medo de cachorro... Lembrei de um Pastor Belga que tinha no prédio... Ela já estava velhinha, quase não enxergava, era mansa demais... Jamais deu um latido sequer... Mas, tinha gente que tinha medo dela...

“A paz vem de dentro de ti próprio,
não a procures à tua volta.”
Buda

“Não existe um caminho para a paz;
a paz é o caminho.”
Mahatma Gandhi

Fiquei refletindo sobre todo o ocorrido e lamentei profundamente. A vizinha realmente foi até a delegacia cheia de ódio... No primeiro atendimento, na recepção foi capaz de dizer que eu usava o cachorro para ameaçar as pessoas, será que é isso que passa na cabeça dela, que eu seria capaz...

Cada pessoa vê o mundo conforme lhe parece. Se dez pessoas diferentes assistissem a cena do fato que ocorreu naquela manhã, entre eu, meu cachorro e a vizinha, cada uma contaria de um jeito diferente, conforme suas impressões, crenças e gostos. Se a pessoa gosta de animais seria uma versão, se não gosta seria outra versão; se a pessoa simpatiza com a minha pessoa seria uma versão, se não simpatiza seria outra versão...
Assim, se na mente do expectador de uma cena inocente, o mundo lhe parecer um lugar ameaçador, será esta a visão que terá dos acontecimentos à sua volta... Quando estamos na penumbra uma simples sombra inofensiva pode nos parecer um terrível monstro ameaçador... Por isso que faço tantas reflexões... Para não ficar na escuridão medonha...

Será que um Juiz consegue ser imparcial? Julgar um caso sem realmente colocar ali seus sentimentos, vivências e gostos? Não sei, mas enquanto pesquisava na internet sobre leis que defendem animais em condomínio, achei dois casos interessantes.
O primeiro foi de um galo que vivia numa casa e cantava todos os dias às cinco horas da manhã. Um morador do edifício ao lado entrou na Justiça, alegando que não conseguia dormir. O Juiz que deveria julgar esse caso se desculpou e pediu que outro Juiz o fizesse, porque ele não seria capaz de julgar esse caso de forma isenta, uma vez que ele também morava próximo a tal casa que abrigava o galo cantante.

O outro caso foi de um Juiz que expulsou, do próprio prédio onde morava, um vizinho seu, só porque o rapaz possuía um cachorro da raça Pit Bull Terrier.

É complicado...

Mas, de tudo isso o que mais lamentei foi minha própria reação diante dos acontecimentos. Como pude me deixar levar pelo ódio?

Ainda sentia um mal estar... Não posso ficar com nenhum ressentimento... Fiz uma prece:

“Senhor, no silêncio dessa prece venho pedir-Te a paz, a sabedoria, a força. Quero sempre olhar o mundo com os olhos cheios de Amor. Quero ser paciente, compreensivo, prudente. Quero ver além das aparências, Teus filhos como Tu mesmo os Vês, e assim, Senhor, ver somente o bem em cada um deles. Guarda meus ouvidos de todas as malícias, guarda minha língua de todas as maldades, para que só de bênçãos se encha a minha alma. Que eu seja tão bom e tão alegre que todos os que estiverem ao meu redor sintam a Tua Presença. Reveste-me de Tua beleza para que no percurso desta existência eu possa Te revelar a Todos.”

Então, Ele me enviou outro mestre. Desta vez um amigo!

capítulo s/n - parte 10

O AMOR



Felizmente a frase que meu pai utilizou deixou-me a vontade para interpretar que eu deveria resolver a situação por minha conta. Pude concluir que deveria agir de forma inteligente e com bom senso. Ainda assim é difícil resistir aos apelos do ego. Mas, nem todos têm a mesma sorte... Os caminhos podem ser mais truculentos se não tivermos quem nos oriente...

Eu tive a oportunidade, graças ao meu sobrinho, de acompanhar e observar de perto o universo infantil. Até ele completar treze anos a criançada se reunia na minha casa.

Muitas vezes levei cinco, seis e até sete crianças para a praia, andar de bicicleta, museu, restaurante, shopping (eu entrava na livraria, é claro, e para minha surpresa, eles gostavam), cinema, teatro, exposição de pinturas, planetário, cachoeira... Era uma loucura, mas achava importante apresentar para eles um universo diversificado, e também era muito gratificante estar no meio deles, eles têm uma energia... Era contagiante...
E quando eu soltava a minha criança interior... Esquecia que já tinha mais de trinta anos e brincava de pique-esconde, queimado, mímica e outras brincadeiras na calçada na nossa rua... Ria sozinha quando surpreendia os adultos me olhando brincar... Tinha vontade de dizer: “Vem brincar também... Vocês não sabem o que estão perdendo!”... Nesses momentos eu entendia perfeitamente como era difícil respeitar os horários de almoçar, jantar ou mesmo voltar para casa...

Eu observava como eram criativos nas brincadeiras, como reagiam com as diferenças, como resolviam seus conflitos, como lidavam com o universo de cada um. Era interessante observar que cada um deles já tinha uma bagagem de opiniões, mas em sua maioria herdada dos pais e adultos que os cercavam. Nas divergências de opiniões, por exemplo, tinham aqueles que queriam resolver tudo no braço. Depois que eu conhecia os pais deles, confirmava minhas suspeitas.

Teve um caso muito interessante... O menino era baixinho e magrinho, mas não se intimidava... Só que na hora que o bicho pegava ele chamava o primo dele, bem mais velho que os outros, mais forte e com o ego inflado. O menino baixinho e magrinho deitava e rolava ameaçando chamar o primo...
Um dia eu encontrei o tal primo dele, estava sozinho... Hum... Cheguei para ele e perguntei: O que ele iria fazer se algum dia ele não pudesse estar por perto para proteger o primo? Já que ele era baixinho e magrinho, não seria melhor ensiná-lo a usar a inteligência e o bom senso, assim ele poderia se defender sozinho! Não sei dizer se ele pensou sobre isso... Depois de um tempo, não tive mais notícias dos dois. Quis o destino que o baixinho e magrinho se mudasse para outra cidade, que ficava bem longe da casa do primo...

Teve outro caso... Esse serve para ilustrar os preconceitos... Foi de amargar... Meu sobrinho estudava em um colégio particular, de bom nível. Ele tinha uns sete ou oito anos de idade e ficava em horário integral no colégio. Eu tinha aulas de pintura pela manhã, e a tarde utilizava o atelier da faculdade para pintar os imensos quadros de seis metros quadrados. Então, achei interessante deixar o André, à tarde, depois das aulas, no colégio. Tinham mais dez crianças nessa situação. Eles tomavam banho, colocavam outra roupa, almoçavam, faziam o dever de casa e brincavam.

Eu ficava tranqüila... Até que um dia ele me disse que não queria mais ficar à tarde. Eu quis saber por que. Ele parecia feliz e de repente não queria mais... Algo aconteceu. Depois de muita insistência ele me revelou o fato. Na parte da tarde, ele preferia ficar de chinelos, mas a professora disse a ele, na frente de todos os outros, que ele parecia um mendigo usando chinelos ao invés dos tênis. E não foi só isso, para outro menino, ela disse que quem usa brinco é mulher!
Tentei me controlar para que ele não percebesse a minha revolta, mas é claro que deixei transparecer algo. E foi até bom para não confirmar ainda mais aquela triste sentença. A opinião dos adultos tem enorme peso para uma criança, ainda mais vindo de uma professora. Então, eu expliquei para o meu sobrinho que os adultos também cometem erros, assim como as crianças, talvez mais do que as crianças... Mas, que eu tinha certeza que no dia seguinte ela iria refletir sobre a grande bobagem que disse e iria se desculpar. Deveríamos dar uma chance a ela. Ele concordou.

No dia seguinte, enquanto ele assistia à aula de manhã, eu procurei a tal professora da tarde. Ela ainda não havia chegado, foi melhor assim... Eu queria voar no pescoço dela... Era o meu lobo sedento e faminto. Mas, isso além de não resolver o problema, ainda seria um péssimo exemplo para ele. Eu tinha que usar a inteligência e o bom senso... Alimentar o meu carneiro! A diretora do colégio ficou um tempo assistindo eu andar de um lado para o outro, inquieta. Quando ela não agüentou mais, veio perguntar.

Eu preferia resolver diretamente com a professora, mas ela insistiu, eu falei. Ela quis até demitir a professora... Então, eu expliquei que poderíamos conversar com ela, pedir que se desculpasse perante todos os alunos que estavam presentes, que ela pensou melhor, e essa atitude era preconceituosa, que não devemos julgar as pessoas pela aparência. Isso tiraria o peso do estrago feito na cabeça do meu sobrinho e das outras nove crianças que ouviram aquela sentença. Além do mais, colocar outra professora no lugar dela seria como trocar seis por meia dúzia; o que a diretora tinha que fazer é reunir os professores e conversar sobre a responsabilidade que cada um tem, quando emite um julgamento para as crianças. Eu não fiz pedagogia, mas isso é o básico, pelo amor de Deus, nessa idade deles é fundamental uma boa formação e colocação de opiniões. Vejam lá o que vocês estão colocando na cabeça do meu sobrinho! Não quero que lá pelos quarenta anos, ele tenha que fazer dez anos de análise para resolver uma coisa que vocês levaram segundos para dizer sem pensar!

Eu mesma fiz questão de conversar com a professora sobre isso. Fui delicada, gentil e amável... Ela não tinha culpa de ter recebido essa educação dos pais dela, e até da própria sociedade. Ela era tão vítima quanto seria meu sobrinho, se eu não interrompesse essa bola de neve...

Esperei ansiosa a saída daquela tarde. A expressão no rosto dele anunciava o conserto. Então, ele me contou: “Você tinha razão, ela pensou melhor no que disse e se desculpou na frente de todo mundo... Senti que ela foi sincera... Até chorou emocionada!

Foi então que eu disse ao meu sobrinho, que ela teve humildade! Todos cometem erros, mas nem todos têm a coragem de admitir e se desculpar. Nem sempre as coisas irão ter esse desfecho! Muitas pessoas nem sabem que estão erradas, vão falar bobagens, não vão refletir e nem se desculpar! Por isso, ele deveria desenvolver seu próprio juízo de valores.

Deixei passar um tempinho e decidi que, pelo menos por enquanto, ia pintar quadros menores em casa mesmo! Certas coisas podemos deixar para depois... Outras não...

Mas, sempre aparecerão bolas de neve... Algumas dão até para fazer bonecos de neve e brincar com eles... André já estava com treze anos quando surgiu a febre por um jogo de computador numa Lan House que abriu perto da minha casa. As crianças ficaram enlouquecidas para jogar... Os pais temerosos! Eu entrei para ver do que se tratava, fiquei assistindo... Tentei inutilmente remover da cabeça do André a idéia de participar daquele jogo... Até que um dia eu entrei na Lan, chamei o rapaz que trabalhava lá e pedi para ele me ensinar a jogar... A título de estudo e pesquisa, para saber se era violento ou não, quais os efeitos psicológicos no jogador... Eu tinha que saber!

Eu devia ter problemas psicomotores... Não foi fácil aprender... Depois que eu peguei o jeito, quebrei o tabu e achei divertido... Não tinha como confundir o jogo com a realidade... As crianças são inteligentes demais para saber as diferenças... Mas, o medo dos pais continuava... Quando passei a jogar também, eles não entenderam nada...

Depois a febre passou... Eles cresceram... Ficaram mais independentes... Mas, sempre vão precisar do nosso Amor... Temos que ser mais disponíveis... Não permitir que nossas vidas nos impeçam de perceber que deixamos algo por fazer ou por dizer... Que os sentimentos que movem nossas ações e palavras nos venham de uma Fonte de Sabedoria... Cuidar para não cultivar preconceitos e tabus... Ensinar que devemos ser tolerantes com as diferenças e com o modo de vida de cada um, para não criarmos futuros opressores... É muito triste ser o oprimido... Porém, mais triste ainda é ser o opressor...

O oprimido sofre e sabe por que está sofrendo, só não sabe que se superasse o ego encontraria a Sabedoria e seu sofrimento extinguiria. O opressor não sabe por que sofre, não encontra nenhuma razão aparente, o que lhe dificulta ainda mais superar o ego. Seu coração está pesado e cheio de ódio... Não consegue alcançar a felicidade... Além do que, o lobo que alimentou por tanto tempo, agora está maior, mais forte, e... Insaciável, o devora lentamente...


“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.”
Carlos Drummond de Andrade


Capítulo s/n - parte 9





O AMOR


Agora ela foi longe demais... E o pior, colocou no meio daquela sujeira um ser tão puro e inocente, que eu estava disposta a defender até com a minha vida... Nunca mais eu iria traí-los covardemente... Nunca mais...
Dessa vez, meu amigo, ela iria se arrepender de ter atirado uma pedra em mim, porque essa pedra não serviria nem para fazer um degrau... Era capaz de eu pisar em falso quando passasse sobre ela... Essa pedra iria voltar para ela, só que mil vezes maior e mais pesada...

Foi assim que aquele sentimento de angústia no meu peito foi se agigantando até virar ódio...

Uma corrente elétrica percorria todo o meu corpo, sinalizando todas as células, eu podia sentir até espasmos... A minha aura deve ter ido do azul ao vermelho mais intenso. Minha expressão facial, antes serena e tranqüila já denunciava aquela transformação química e magnética.
O rapaz da recepção percebeu, ou sentiu o calor e o peso das vibrações moleculares ao meu redor, que aumentavam como ondas num lago quando se atira uma pedrinha... Ele até tentou deter o avanço desse processo. Gentilmente pediu que eu voltasse três dias depois, no plantão do inspetor que recebeu o caso, para esclarecer melhor. Foram os três dias mais longos, que só serviram para nutrir e intensificar o ódio já instalado.

A notícia se espalhou pela vizinhança. Uma senhora me abordou, oferecendo solidariedade, depois de ouvir a história contada pela própria autora da queixa se vangloriando. Outra vizinha veio em busca de confirmação do boato que estava correndo, que o meu cachorro tinha mordido uma moradora. Eu que já parecia um dragão cuspindo fogo, retruquei com outra pergunta: “E essa moradora que foi mordida não morreu ainda não?”.
Os efeitos colaterais foram imediatos: inapetência, insônia, desconcentração, irritação e inquietação. Não conseguia fazer nada que necessitasse de concentração, as tarefas mais simples me irritavam, ao mesmo tempo não conseguia ficar parada e relaxar, minha mente começou a travar planos de vingança.
Pesquisei na internet tudo sobre Processo de Calúnia e Difamação; mas fiquei mais satisfeita com o de Danos Morais, que poderia ser feito em Juizado de Pequenas Causas, mais rápido e a pena mais severa, com uma indenização estipulada pelo Juiz, enquanto o outro era uma cesta básica, ou serviços comunitários. Não... Era pouco... Teria que ser algo mais severo... Teria que doer, para ela nunca mais fazer isso com ninguém... Eu estava obcecada... Com ódio... Meu corpo absorvia o veneno que corria em minhas veias...
Abandonei minhas tarefas diárias, meus entes queridos e meu lar para lançar-me ferozmente sobre o pescoço da vizinha e cortar-lhe a cabeça...

Seria eu quem subiria num palanque segurando a cabeça dela como troféu... Terminei essa frase com uma gargalhada digna de um filme de terror!

Os cachorrinhos me olharam de longe assustados... Não me reconheciam mais...

Meu Deus! Eu estava me transformando naquilo que sempre me causou horror! Eu estava ficando igual a ela...

Como os judeus, que agora perseguem os palestinos, eu estava me transformando de vítima em algoz... De oprimido transformando-se em opressor... É um círculo vicioso...

“A maior parte dos que não querem ser oprimidos não desgostaria de ser opressor.”
Napoleão

Assim, toda a história de um opressor é gerada a partir do momento em que foi oprimido, quando dali nasceu e cresceu o ódio, o desejo de vingança e a vontade de fazer justiça com as próprias mãos. Inconscientemente o oprimido permite que esse sentimento se instale em seu coração; a circulação do sangue percorre o caminho do coração, depois segue por todo o corpo, levando a cada célula a mensagem de ódio.

E o ódio tem o poder da destruição e da escuridão que cega, destruindo primeiramente o próprio ser que o gerou, subtraindo-lhe o equilíbrio. Uma pequena semente de mágoa ou decepção será suficiente para em pouco tempo agigantar-se, bastando pra isso alimentá-la e nutri-la com revolta, humilhação; e todos os outros sentimentos que a condição de oprimido pode despertar, principalmente no ego.

Nem todo oprimido se tornará um opressor, para isso é suficiente que possua a semente de amor, humildade e compaixão, e isso todas as pessoas possuem, assim como todas as pessoas também possuem a semente do ódio. Precisa apenas decidir qual delas vai alimentar e nutrir.

“Todos temos, dentro de nós, o lobo e o carneiro, resta saber qual deles você vai alimentar.”
Pensamento budista

E para reverter o processo do ódio quando ele já se agigantou será preciso uma força e uma vontade tão intensa quanto a que gerou o ódio.
Diante das dificuldades de Amar que nós temos, concluo ser mais fácil odiar, do que amar. Não porque o ódio seja mais forte, absolutamente, o Amor é a energia mais poderosa. O que acontece é que, ainda que todos nós tenhamos esse Amor dentro de nosso íntimo, o medo nos impede de doá-los indistintamente.
Esse medo surge a partir do momento em que esperamos sua retribuição. Depois de algumas decepções, começamos a escolher para quem dar esse Amor, mas mesmo assim, continuamos a nos decepcionar, porque ainda esperamos que ele seja retribuído em igual quantidade e qualidade com os quais oferecemos. Até que por fim, de tanto sofrer com a espera de uma retribuição, desistimos de amar...


“Somente aquele que foi o mais sensível pode tornar-se o mais frio e o mais duro, para se defender do mais pequeno golpe - e esta própria couraça lhe pesa muitas vezes.”
Goethe

A verdade é que quanto mais oferecemos mais receberemos Amor... É uma energia abundante e infinita, não devemos economizar... Devemos fazê-la circular entre todos, quanto mais doamos, mais recebemos. O que não devemos fazer é esperar essa retribuição... Senão vira uma moeda de troca. E não é assim que ela funciona... Talvez ela não venha da mesma pessoa que ofertamos, vem por outros meios, através de outras pessoas, da Natureza ou da própria Fonte que é a Energia Inteligente e Perfeita, o Universo, o Cosmos... Por isso deve ser Incondicional...
Você deve dar Amor sem nenhuma condição de troca, indistintamente, sem julgar se aquela pessoa merece ou não receber... Se por acaso ela não retribuir é porque ainda está presa ao medo e aos sentimentos inferiores do ego. Não está pronta para exercer o Amor que vem do Eu Superior, e talvez demore a perceber isso...

Quando ofertamos Amor Puro e Incondicional em abundância a todos indistintamente, sem nada esperar em troca, sem criar expectativas, não vamos sofrer decepções, nem ficar magoados com nada. Esse tipo de Amor surge do Eu Superior. O ego espera ser recompensado imediatamente, porque ele é egoísta... E se a pessoa não der de volta ficamos enfurecidos, magoados, rancorosos e tudo o mais.


“O tempo é muito lento para os que esperam
Muito rápido para os que têm medo
Muito longo para os que lamentam
Muito curto para os que festejam
Mas, para os que amam, o tempo é eterno.”
William Shakespeare

Além disso, ainda precisamos vencer os condicionamentos que recebemos na infância, quando somo estimulados a usar menos o Amor.
Os próprios pais orientam seus filhos a não levarem desaforo para casa. Meu pai, falou uma vez só: “Se chegar em casa chorando, vai apanhar mais ainda!”.
Ele não teve culpa de me passar o que o pai dele passou para ele, o problema aí ainda é o mesmo: Nós não refletimos sobre os sentimentos que movem nossas ações e estamos mais preocupados com o ego do que com o Eu Superior. E o ego não é capaz de alcançar a Sabedoria e Inteligência do Eu Superior. Pense comigo... Se todo mundo movesse a energia do Amor em tudo, principalmente com os adversários, o cenário seria extremamente diferente. Não haveria opressor, não haveria oprimido, nem adversários.

Então os pais deveriam aconselhar seus filhos a se deixarem ofender, sem revidar, sofrendo toda sorte de humilhações até virarem um saco de pancadas? Não, queridos... Todos os pais deveriam despertar o Eu Superior, e não o ego dos seus filhos. O Eu Superior possui todas as respostas Inteligentes e Perfeitas!

Aceitar uma ofensa com rancor é o mesmo que aceitá-la como uma verdade. Alguém te ofendeu? O que ele disse era verdade? Então, para que reagir com fúria! Isso apenas demonstra que as ofensas atingem o ego, mas não atingem o Eu Superior que conhece a Verdade.

“A qualquer instante podemos ser despojados do que supomos ter,
mas nunca o somos de nosso verdadeiro Ser.

Quanto mais vazio um recipiente,
maior o ruído que faz ao receber uma pancada.
O recipiente repleto fica mudo.
O sábio não responde a ofensas.

O ego pessoal é como a fuligem na manga
do candeeiro a esconder o esplendor da grande luz
que mora dentro e que, em verdade, todos somos.

A melhor proteção contra a ira é a inofendibilidade,
e isto só se consegue minimizando o ego.”

Trecho do livro “Cintilações” - prof. Hermógenes


Capítulo s/n - parte 8




O AMOR




Quando saí da clínica veterinária sem a Nina, apenas com a coleira vazia nas mãos, eu não sabia para onde ir, o que fazer... Não havia um lugar no mundo que eu pudesse estar naquele momento... Não havia nenhuma palavra que pudesse ser dita a fim de modificar aquele imenso vazio, profundo e negro que eu mergulhei... Por que eu sabia... Sabia que jamais poderia ter feito isso com a Nina... Justamente eu, que já tinha tantas provas da existência de Deus... Jamais poderia ter duvidado ou interferido em seus Planos... Quanto menos o ser humano interfere na Natureza, melhor ela pode demonstrar sua Perfeição e Beleza...


O imenso vazio só não foi ainda mais imenso e profundo porque ela me deixou os quatro filhotes; e em cada um deles tinha um pedacinho dela... Até nisso ela foi bondosa...


Agora você pode ter uma vaga idéia do que passa na minha mente, quando alguém me pergunta espantado por que eu tenho cinco cachorros. E que respondo, com muito pesar: “É... Tenho apenas cinco...”

E essa é a pergunta mais simples! Têm os que gostam de sofisticar mais, acrescentando inteligência; dinheiro; posição social; status; a aparência simples da minha casa e das minhas roupas... E quantos mais acrescentam, mais aumentam minhas náuseas e pesar... Coitados... Isso é tudo que eles possuem... Não me admira que tenham tanto pavor da morte... Acumulam durante uma vida inteira os seus tesouros em coisas, títulos e bens, para depois ter que abandonar tudo.



“Você possui apenas aquilo que não perderá com a morte; tudo o mais é ilusão.”

Autor desconhecido



Teve um senhor que me perguntou indignado, porque ao invés de cinco cachorros, não adotei cinco crianças.

Ah... Se eu pudesse... Adotaria não só os cachorros e as crianças, mas também os idosos e as árvores que são arrancadas para fazer cimentado... Se eu pudesse reuniria todos eles num mesmo local e a Natureza faria seu trabalho... Haveria uma troca mútua... As crianças dariam aos idosos a esperança, a energia e a inocência; os idosos ensinariam as crianças sabedoria e paciência; os cachorros ensinariam amor incondicional e alegria e as árvores ofereceriam o oxigênio, a sombra, o frescor... Esse é o meu sonho...

Já tive outros sonhos quando jovem... Mas não eram meus... Eram do meu pai, da sociedade, do meu chefe, dos vizinhos, do namorado... Esse não... É só meu... Poderia até acrescentar nele o sonho do Augusto. Esse meu amigo me confidenciou que faria um local para os desempregados e moradores de rua. Podia juntar com o meu sonho e ficaria completo. Não iria faltar trabalho... O amor é para somar, não subtrair...

Também têm, já que é para ser bem honesta, os intolerantes. Estes vão ainda mais além... Não se satisfazem em apenas criticar, querem modificar o meu modo de pensar e agir, custe o que custar. Travam pequenas batalhas diárias no intuito de alcançar, se eu permitir, uma verdadeira guerra. São a esses que dispenso maior dose de paciência para que não alcancem seu verdadeiro objetivo, que é o de me tornar como eles; e também porque estou numa posição em que posso ver os dois lados, e os intolerantes só vêem o lado deles, só eles detêm a verdade e todas as pessoas deveriam ser como eles, nem que seja a força bruta.

É incrível a disponibilidade de tempo e energia com que se atiram em tal empreitada. São capazes de abandonar suas tarefas diárias, seus filhos e seu lar para lançarem-se ferozmente sobre o pescoço da vítima e cortar-lhe a cabeça; para depois subirem num palanque, exibindo a cabeça da vítima como troféu e bradarem: “Isso é o que acontece com quem ousa ser diferente de mim!”

Foram eles que na Inquisição da Idade Média acusavam e condenavam à morte na fogueira os que não seguissem os dogmas da Igreja Católica; foram eles que escravizaram os negros; foram eles que chamaram os índios de selvagens e tomaram suas terras; foram eles que perseguiram e jogaram os judeus nos campos de concentração e exterminaram milhões em câmaras de gás.

Eles são capazes das maiores barbáries em nome de suas crenças, em nome de si mesmos, contra todo aquele que pensar e viver diferente deles. E eles ainda estão espalhados por aí, entre nós, disfarçados de bons cidadãos, que cumprem suas obrigações e pagam seus impostos.

A primeira vista podem aparentar os seres mais corretos e justos, que apenas lutam por seus direitos. Suas vidas são extremamente regradas e metódicas, não admitem um erro sequer, dentro daquilo que julgam ser o correto. Mas, basta encontrarem em seu caminho alguém que os desafie, apenas por pensar e ser diferente dele, então, um vulcão de cólera eclode de seu interior. Ele fará de tudo para aniquilar tal insurgência.

Era nisso que eu estava pensando, quando o síndico, interrompeu me interpelando: “Você me ouviu, Claudia? Eu disse que a sua vizinha foi na delegacia dar queixa do seu cachorro!”

Eu devo ter, lentamente, cerrado e aberto os olhos, enquanto enchia devagar os pulmões de ar e o soltava mais rapidamente, a fim de voltar àquela realidade que mais me parecia surreal.

Ele estava com uma expressão mais suave em seu rosto. Balancei a cabeça em sinal de que havia prestado atenção em todas as suas palavras e esclareci alguns pontos obscuros dizendo: “De fato, ontem pela manhã, quando voltava do passeio com meu cachorro, ao sair do elevador de serviço, a vizinha estava esperando o elevador social e deve ter se assustado quando meu cachorro latiu para ela, mas eu rapidamente o puxei para o outro corredor e esperei ela descer. Só não compreendo porque esse fato foi parar numa delegacia!”

Logo imaginei a tal vizinha em cima de um palanque, exibindo a minha cabeça e bradando...

O síndico carinhosamente segurou o meu queixo e disse: “Não acha melhor colocar uma focinheira nele, apenas para evitar esses aborrecimentos!”

Recebi aquele conselho como um sinal de um perigo iminente, que a minha visão ainda não alcançava... Então, concordei em usar a focinheira...

Concordei... Mas... Naquele momento permiti que um sentimento ruim entrasse em meu coração... Senti dores no peito, na região do plexo solar. Depois dores de cabeça... Corri para uma Instituição Mística Oriental, a fim de tomar uns passes magnéticos e aliviar aquela angústia.

Isso devia estar tão transparente que insistiram numa consulta com um dos Xelas. A única coisa que eu pedi foi uma orientação: “Como é que se faz para bloquear energias negativas dos outros?” Expliquei que estava com uma indesejável angústia no peito. Não queria guardar aquele sentimento. Não queria nem que ele tivesse entrado... Queria poder ter um bloqueador invisível anti-energias alheias, como uma redoma de vidro. Preciso descobrir como é que se faz isso, deve ter um jeito! A Xela passou um tratamento com vários nomes estranhos. Alguns eu conhecia, como cromoterapia, energia de chacras e outros.

Fiquei pensando por que a vizinha teria ido à delegacia prestar queixa... Pensei que ela havia aceitado os termos de cessar fogo...

..Há quatro anos eu fui à delegacia em busca de orientação para pôr um fim em suas intenções de declarar uma guerra contra mim.

Eu não estava nem um pouco a fim de uma guerra, ao contrário, estava me convalescendo de uma perda irreparável; tendo que extrair de mim o máximo de amor e atenção para os quatro filhotes, o Mike, meu sobrinho, minha mãe e minha irmã, que, aliás, teve uma melhora espantosa com a ajuda do Mike – Deus trabalha de forma misteriosa... -. Além do mais, uma guerra só é necessária em último caso e por um motivo nobre, quando, por exemplo, sua paz ou liberdade forem ameaçadas. Para outros fins, um acordo pode resolver...

O inspetor que me atendeu naquele dia tinha uma sensibilidade extraordinária. Eu também fui muito honesta, uma guerra sem honra é muita covardia! Eu comecei logo dizendo que tinha cinco cachorros no meu apartamento, sendo que quatro eram filhotes. Contei o que aconteceu com a Nina, e que em razão do ocorrido eu ia defender aqueles filhotes com unhas e dentes. Que os latidos deviam incomodar os vizinhos realmente, mas nada justificava a cólera da vizinha.

Expus meu desejo de ir para uma casa, mas que eu não poderia sair correndo feito uma criminosa. Depois eu relacionei todas as atitudes e comportamentos agressivos da vizinha, seus insultos e ofensas, suas acusações de coisas que nem tinha sido eu a autora... Coisas que já nem se relacionavam aos cachorros. Em todos os episódios fui muito paciente, sendo que o último teria sido a razão de ter procurado a delegacia: Ela ameaçou envenenar meus cachorros e levantou a mão para me esbofetear, imediatamente estiquei o pescoço, oferecendo-lhe a face, ao mesmo tempo em que a advertia de que ela perderia a razão, se é que ela tinha alguma, e iríamos parar na delegacia... Nesse momento ela ficou com a mão suspensa no ar, depois levou as duas mãos até a boca, apertando os próprios lábios... Não sei definir que sentimentos tomaram posse dela naquele momento.

Foi então que aquele homem, sob a forma de inspetor de uma delegacia, alcançou algo que fugia de minhas observações. Não eram os cachorros que incomodavam a minha vizinha, era eu, com o meu jeito de ser, de pensar e de viver... Eu era o verdadeiro motivo de tanta cólera, os cachorros serviam apenas de pretexto para me atingir. Talvez uma carta endereçada ao síndico, esclarecendo meus anseios em me mudar dali, e principalmente advertindo a tal vizinha de um processo judicial, caso ela insistisse em suas atitudes agressivas, colocaria um fim naquela história.


“A paz mundial, como a paz em uma comunidade, não necessita que cada um ame o seu vizinho – mas que vivam com mútua tolerância, submetendo suas disputas a um acordo justo e pacífico."

John Fitzgerald Kennedy


De fato ela cessou os ataques... Foi uma trégua de quatro anos... Eu até tinha esquecido que ela existia... Agora ela ressurgia das cinzas, tal qual Fênix... E usando as mesmas armas: a delegacia. Parece até que esperou pacientemente uma oportunidade. Ela não desistiu...

Mas, o que será que ela alegou na delegacia para registrar uma queixa? Que o cachorro latiu para ela? Isso será motivo para abrir um Registro de Ocorrência? Será que ela seria capaz de passar por cima das regras básicas e códigos de honra imprescindíveis em todas as “Guerras”? Que versão do ocorrido ela teria exposto em plena delegacia? Foram essas perguntas que me levaram a tirar essa história a limpo... Fui à delegacia para saber...

O rapaz da recepção me informou que de fato havia um Registro de Ocorrência, mas que eu teria que voltar no dia seguinte, pois o setor que poderia imprimir uma cópia já havia encerrado o expediente, já passava das quatro da tarde. Eu insisti para que ele me adiantasse alguma coisa, olhasse o que estava escrito no computador, onde havia localizado o registro. Educadamente ele falou em alto e bom som: “Está escrito aqui o seguinte: “Que uma moradora, no prédio onde ela reside, ameaça outros com seu cão.”

Pensei não ter ouvido direito, ou que estava com tantas desconfianças que interpretei mal, então, perguntei ao rapaz se ele entendeu o que estava escrito ali da mesma forma que eu havia entendido: “Que eu usava o cachorro, propositalmente, de forma ameaçadora contra os moradores!”. Ele apenas balançou a cabeça para cima e para baixo, confirmando minha interpretação.



“Em tempo de guerra, a primeira vítima é a verdade."

Boake Caster


“Sou um homem pacífico; Deus sabe quanto amo a paz. Porém, espero jamais ser tão covarde que confunda opressão com paz.”

Kossuth

Capítulo s/n - parte 7




O AMOR


Minha mãe ficou impressionada com a dedicação e energia que a Nina dispensava aos filhotes, se desdobrando para atender a todos. Não os deixavam sozinhos por muito tempo, dava saídas rápidas para beber água, comer e fazer necessidades.
Para essa última tarefa, tinha que levá-la à rua, não se demorava e quando voltava, tocava em cada um deles com o focinho, parecia que estava contando quantos tinham, certificando-se de que não faltava nenhum. Nessa parte, o Mike não teve chance nenhuma de compartilhar, ao contrário, ela o manteve afastado até que eles desmamassem.
Depois, quando os filhotes já corriam pela casa é que o Mike pôde se aproximar, mas ele só ficava observando as brincadeiras entre eles, que na verdade são ensinamentos que a mãe aplica aos filhotes, como ensinar que a liderança era dela. E ai de quem desafiasse, ela corria atrás e dava broncas até que ele se colocasse em postura submissa (deitado de cabeça baixa ou de barriga para cima), quando então ela os cobria de carinhos.

Eu queria ficar com todos eles. Foi muito difícil até imaginar o momento em que aconteceria uma separação, eu já havia me afeiçoado a todos eles. Se eu morasse numa casa com jardim, não teria dúvidas em ficar com todos.

Depois de me conformar em ter que achar um dono responsável e carinhoso para cada um dos filhotes, deparei-me com um grande obstáculo: O preconceito racial. Os vira-latas são extremamente desprezados. Quando achava alguém que aceitasse, eu fazia mil perguntas para saber se a pessoa merecia mesmo receber aquela dádiva, se iria cuidar deles com amor e responsabilidade.
Finalmente encontrei um senhor de alma pura e boa, pude sentir em sua aura, sabia que ele estaria à altura de compartilhar o amor dos animais; e ele morava numa casa com jardim, motivo pelo qual quis ficar com dois deles.

No dia da adoção, conversei com a Nina e ela parecia entender tudo que eu lhe dizia, se dirigiu aos dois filhotes, ela sabia até quais eram, e com gestos afetuosos se despediu deles, depois ficou olhando eu sair com eles nos braços. Ela não veio atrás tentando me impedir, como fez quando os levei para vacinar. Ela sabia. Não pude conter as lágrimas, chorei muito. Assim como agora, ainda as lágrimas escorrem pela minha face enquanto escrevo esta passagem e me faz recordar esse momento. Inevitavelmente, esse momento se junta a outro, que veio logo a seguir, ainda mais difícil, doloroso e imperdoável.

Recomeçamos a discussão sobre castrar a Nina ou o Mike, já que o veterinário era contra a pílula. Se eu pudesse voltar no tempo, teria procurado outro veterinário, ou melhor, teria me mudado para uma casa com jardim no interior do Rio de Janeiro, numa região serrana, onde mais perto da natureza eu pudesse dar maior vazão aos meus clamores internos. Algo em mim estremecia só de pensar em castrar qualquer um dos dois... Embora para o Mike o procedimento fosse mais simples, ele era frágil demais, tinha intolerância até com remédio para vermes.

Oh! Meu Deus, porque eu não ouvi a sua voz...

Por diversas vezes me dirigi à clínica para marcar o dia de castrar a Nina. Em todas às vezes senti um mal estar tão grande, que eu voltava para casa. Essa idéia me causava uma angústia no peito, um aperto no coração...

Encontrei a esposa do veterinário, que também era veterinária. Ela fez um discurso a favor da castração...

“Sempre que alguém diz ‘não devemos ser sentimentais’, entenda-se que está prestes a fazer algo cruel. E se acrescentar: ‘temos que ser realistas’, significa que vai ganhar dinheiro com isso.”
Brigid Brophy


Contrariando toda a sabedoria do meu coração, ignorando sua doce e terna voz, dei “ouvidos” a fria voz da razão... Nunca ela estará certa...

Marcamos a data.

O dia chegou...

Ainda recebi os sinais (sincronicidades) a tempo de mudar todo o destino.

Todas as noites, quando me deitava, a Nina vinha e se deitava ao meu lado por um tempo, se enroscava em meus braços até que eu a abraçasse, depois ela se espalhava para o lado, se esticava toda e dormia mais a vontade. Na noite que antecedeu a cirurgia, ela ficou encolhida ao meu lado a noite inteira.

No dia da cirurgia, tive que esperar mais de uma hora a chegada da esposa do veterinário que se atrasou. A Nina estava impaciente, andava em direção a porta, olhava para mim e puxava a guia, saí para a calçada e fiquei pensando em ir embora, depois diria que me senti mal... Mas, senti uma mão tocar em meus ombros... Era a esposa do veterinário. Entramos no consultório. Assinei um termo de responsabilidade, procedimento padrão. Fiquei lendo aquilo enquanto meu coração apertava... Assinei...

A anestesia era inalatória, mas antes lhe deram uma injeção... Alguns minutos depois ela me olhava desesperada... Fiquei nervosa e disse que havia alguma coisa errada... Os olhos dela ficaram vidrados... Meu coração se espremeu no meu peito... Aumentei o tom da voz: “Tem alguma coisa errada, vejam os olhos dela”! Nunca vou esquecer aquele olhar me implorando por socorro! Foi o último sinal que me foi concedido para mudar o destino... E eu não fui capaz de mudar... Podia ali, naquela hora, ter imediatamente levado a minha Nina embora dali... Teria mudado tudo... É isso que me atormenta...

A esposa do veterinário segurou em meus ombros, dizendo que isso era normal, que eu estava nervosa demais e que esse comportamento ia deixar a Nina nervosa. Que ao invés de ajudar, eu estava atrapalhando, e que era melhor eu sair da sala...

Eu fui capaz de acreditar mais na ciência do que no meu coração...

A ciência não foi capaz de me explicar porque a Nina morreu... Mas eu sou capaz de explicar porque que a ciência nunca deverá ficar acima de Deus...

A esposa do veterinário me disse: “Puxa vida, tem pessoas que vêm castrar seus cachorros, deixam aqui, sem nem se preocuparem com nada, depois voltam para pegá-los, às vezes temos até que ligar pedindo para buscá-los, e não acontece nada com eles. Será que não foram seus pensamentos que atraíram esse mal?”
E eu lhe respondi: “Não querida, é o contrário... Por eu me preocupar demais é que ela foi entregue aos meus cuidados. Era um ser que precisava de alguém que realmente tivesse esse cuidado. A verdade é que eu não deveria ser capaz de castrar! Mesmo sem saber por quê! Mesmo sem qualquer razão aparente! ‘O nosso coração tem razões que a própria Razão desconhece!’ Eu jamais deveria ter me deixado levar pela opinião alheia! Ninguém conhece a Verdade, apenas O Plano Inteligente e Perfeito... Somente Deus... Oh, Deus, Como fui fraca!”
Não foi a morte da Nina que me fez transbordar de tanta tristeza e mergulhar num buraco profundo e escuro, que a ciência denominou de depressão.
A morte quando é natural... Por doença ou velhice é apenas uma transformação, uma mudança de dimensão. É natural que um dia todos façam essa passagem... Sentiremos saudades dos seres amados que ficarem, ou daqueles que partirem... A dor da saudade não deve ser um pesar demasiado, mas uma doce e forte lembrança, e a certeza de um reencontro na eternidade.

O que pesa sobre mim é que poucas pessoas poderiam receber a Nina como uma dádiva; um ser precioso, cujos ensinamentos do amor puro e incondicional superam qualquer bem desejável. O que pesa sobre mim foi ter nas mãos um presente dos deuses e deixá-lo escorrer por entre os dedos. O que pesa sobre mim foi não ter tido a responsabilidade de protegê-la. O que pesa sobre mim foi não ter correspondido em igual dedicação, amor e proteção que ela me ofereceu. O que pesa sobre mim foi tê-la traído covardemente... Porque ela me protegeria até com sua própria vida...

Sabia que iria ser difícil escrever tudo isso. Levei algum tempo evitando entrar nessa parte. Quando não pude mais adiar, por dias abandonei o ato de escrever... Agora que o fiz, sei que foi ainda mais difícil do que pensava... E o fiz tentando ser o mais honesta possível, sem me poupar... Também fui curta e rápida, para que a dor não se estenda ainda mais...

Eu sei que quando eu me for para o outro lado, irei encontrá-la. E ela virá em minha direção abanando o corpo inteiro, como fazia quando estava muito feliz. Somente ela, que tem posse total do Amor Puro e Incondicional, será capaz de me perdoar... Antes mesmo que eu solicite esse perdão, ela já me perdoou... Eu não... Não sou capaz... Ainda não...


“Todo o bem que eu puder fazer, toda a ternura que eu puder demonstrar a qualquer ser vivo, que eu os faça agora, que não os adie ou esqueça, pois não passarei duas vezes pelo mesmo caminho".
James Green

Capítulo s/n - parte 6




O AMOR


Como surgiram os cinco cachorrinhos?

Não foi pegando os cachorros abandonados na rua não... Eu não era tão “gente boa” assim... Não porque não me comovia, mas simplesmente eu não os via...

Olha, tudo aconteceu como eu disse antes, eu estava no meu pequeno lago, meu mundinho restrito, mas muito confortável com essa situação, não precisava pensar muito, nem questionar nada. Era só seguir o caminho que a maioria das pessoas seguia: Estudar, “vencer” na vida para poder comprar um monte de bobagens e manter uma postura fria e distante para não perder a concentração. Havia, sim, não vou mentir, algo no meu íntimo clamando por mais conteúdo, mas logo tratava de sufocar esse clamor, afinal os sonhadores sofrem demais, estão sempre sem dinheiro, e ainda dividem tudo que possuem... Além do mais, ir contra o sistema é como ser atropelado por um trem!

Bem, eu assinei a minha sentença (de ser atropelada por um trem) no dia que a minha irmã chegou em casa com um filhotinho de cachorro, desnutrido e pulguento. Ela já havia levado pintinho, gatinho e outros “inhos”, mas eu nem olhava, mandava ela voltar com todos eles. Meu sobrinho era louco para ter um cachorrinho, mas eu sempre advertia do trabalho que dava. Tem que levar na rua duas ou três vezes por dia, alimentar, dar banho, vacinar, levar no veterinário, não pode deixar o coitado sozinho e tudo mais...
Como é que eu sabia de tudo isso?

Meu pai era louco por cachorros. Quando éramos crianças, cada dia ele levava um para casa. Minha mãe dava para outra pessoa no mesmo dia. Até que teve uma que durou um pouco mais. Ela não era filhote, já tinha uns cinco anos, provavelmente a dona dela morreu, porque ela era bem tratada e mimada. Kelly era o nome dela. Estranhamente a Kelly se sentiu em casa e me escolheu como dona. Geralmente, o cachorro com mais de um ano com o mesmo dono não suporta a separação e morre de tristeza.

Eu tinha uns dez anos de idade, mas assumi toda a responsabilidade com a Kelly, levava na rua, alimentava, dava banho e muito amor. Ela foi mestre na arte do Amor... Uma boa mestra... A Kelly só faltava falar... Eu entendia perfeitamente tudo que ela tentava me dizer com o olhar e os trejeitos... Eu não podia deixá-la sozinha por muito tempo... Ela não se alimentava e ficava triste. Então, eu não queria ficar longe dela... Só na hora do colégio que não tinha jeito, eu tinha que ir. Acho que foi por isso que um dia eu cheguei da escola e não a encontrei. Minha mãe não percebeu o universo que aquele sentimento poderia me trazer, achou estranho ou teve medo... Deu a Kelly para outra pessoa, sem jamais me dizer para quem. Não vou nem tentar descrever o que eu senti... Acho que foi por isso que nunca mais eu olhei para um cachorro com carinho, nunca mais sequer me aproximei de um... Até o dia que a minha irmã, passados quase trinta anos desse episódio, chegou em casa com um filhotinho desnutrido e pulguento.

O olhar que ele me lançou quando me aproximei... Não sei... Talvez todos os cachorros tenham esse olhar... É doce... Terno... Amoroso... Foi direto, como uma lança no meu peito, que se abriu, sangrando uma cicatriz de quase trinta anos.

Mas o Mike não me escolheu como dono... Escolheu a minha irmã. Bem que eu tentei estabelecer aquela relação que eu tinha com a Kelly, mas ele nem deu bola. O Amor dele estava dirigido para a minha irmã, depois para o meu sobrinho, quando sobrava um tempinho aí sim ele me dava atenção. Eles sempre têm muito para dar... Mas, não era igual a Kelly... Talvez, se eu não tivesse conhecido a Kelly, teria me dado por satisfeita.

Passados seis meses eu encontrei a Nina, aí sim... Foi igual como foi com a Kelly, na mesma hora, foi uma troca mútua e instantânea.

O veterinário do Mike veio logo com a história de castrar. Resisti bravamente, tentando encontrar outra solução. Pensei em me mudar com a Nina para outro apartamento, assim resolveria essa questão, mas encontrei dificuldades burocráticas... Pensei então em pílula anticoncepcional... O veterinário insistiu na castração. A pílula aumenta os riscos de câncer, enquanto que a castração previne o câncer. Eu insisti na pílula, senão todas as pessoas deveriam ser castradas para evitar o câncer. E quanto aos outros órgãos, como faremos para evitar o câncer, vamos tirar tudo também?

Eu seguia a “lógica” do coração. Castração nunca! Devia era ter mudado de veterinário, procurado outro mais naturalista; esse era muito competente, mas não tinha cachorro, e esse já era um sinal de que ele não poderia compreender meus anseios e aflições.

Por fim, demorei tanto para encontrar a solução que a Nina entrou no terceiro cio, e desta vez, já com um ano e meio, mais madura e mais esperta, os dois deram um jeito de escapar dos nossos olhares vigilantes e se casaram às escondidas. Entre apavorada e emocionada, decidi ficar emocionada...
Observei de longe os três dias de lua-de-mel dos dois apaixonados... Quanto carinho, cumplicidade e amor... Eles procuravam um quarto vazio, com pouca luz e sossegado, ficavam numa dança de sedução por um longo tempo e... Desculpe, minha observação estudiosa tinha um limite que não me permitia invadir a privacidade além desse ponto, embora eles nem percebessem a minha presença, eu abandonava o posto de observação e deixava a natureza seguir seu rumo em paz.

Quarenta e cinco dias depois, a barriguinha dela já denunciava a perfeição da natureza. Fizemos uma ultrassonografia e lá estavam seis pequenos frutos. A gestação dura em torno de 60 dias.
O parto foi uma das mais belas cenas que a natureza pôde me oferecer. Ela parecia uma mãe experiente, sabia exatamente o que fazer. Eu apenas rezava... Rezava e agradecia cada vez que um filhote anunciava sua chegada: envolto pela placenta que ela abria com os dentes e lambia primeiro por toda a face até que ele respirasse. Depois ela ingeria a placenta todinha, cortava o cordão umbilical com os dentes e lambia o umbigo até ficar perfeitinho, ainda lambia ele todo numa operação de limpeza; exibia orgulhosa, o filhote; e não sei nem como, ele já estava em seu peito mamando, quando então ela descansava. Fez isso por cinco vezes repetidas com intervalos de trinta minutos entre um filhote e outro. No último ela parecia cansada demais. Passou-se uma hora e nada, duas horas e eu fiquei preocupada. Liguei aflita para o veterinário que recomendou um pouco de mel (glicose) para repor as energias. Finalmente nasceu o último filhote, ela fez todo o ritual de sopro de vida naquele pequenino ser e só descansou depois de se certificar que estavam todos bem.

Como posso crer que tudo seja obra do acaso ou apenas instinto animal?

É muito mais que isso... Como não perceber ali a grandeza da energia do Amor?

Que espécie de ser humano eu seria se, após vivenciar tudo isso, não modificasse em nada meu modo de ver e entender o Universo e não repensasse o valor das coisas?


“Em se tratando de fidelidade, devoção, amor, muitos homens estão aquém do cão ou do cavalo. Que maravilhoso seria se pudessem ao menos antes do julgamento final, afirmar: ‘Eu tenho amado tão verdadeiramente ou sido tão decente quanto o meu cão.’ E ainda assim os chamam de ‘apenas animais!’”

Henry Ward Beecher

“Em meu pensamento, a vida de um cordeiro não é menos importante que a vida de um ser humano.”

Mahatma Gandhi